Pedro Venceslau
Estadão
Escolhido pelo governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), para chefiar a Casa Civil de sua futura gestão no Palácio dos Bandeirantes, o ministro Gilberto Kassab, principal líder do PSD, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que está “avaliando” se licenciar do cargo para cuidar de sua defesa. Alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal decorrente de uma delação da J&F, Kassab disse que não teme ser preso e se defende das acusações.
O apartamento do sr. foi alvo de uma ação da Polícia Federal. Seu sigilo bancário foi quebrado e o sr. foi acusado de receber vantagens indevidas das empresas de Joesley Batista. Como explica essa situação?
Estou na vida pública há muito tempo. Em todos os cargos que ocupei, eu manifestei o meu profundo respeito pelo Poder Judiciário, pela imprensa e pelo Ministério Público. Não está sendo diferente agora. O papel deles é apurar denúncias. Temos de ter humildade para entender que eles exercem o seu papel numa conjuntura de tanta descrença e tantos absurdos no campo da corrupção.
Então, o sr. não faz coro aos que criticam supostos abusos da Lava Jato?
Abuso não pode acontecer. No meu caso, é um inquérito que está acontecendo. Tenho a humildade para entender que tenho de estar sujeito a essa operação. Por outro lado, tenho plena convicção que esse inquérito em breve vai chegar à conclusão da absoluta seriedade das minhas ações.
Isso causa constrangimento ao governador eleito, João Doria? Ele chegou a cogitar que o sr. não assumisse a Casa Civil do Palácio dos Bandeirantes?
Estou convidado. Ele fez uma manifestação pública de solidariedade. Estou muito tranquilo. Tomo posse agora e essa secretaria que eu vou assumir, a Casa Civil, é eminentemente política. Eu disse ao Doria que a política é muito lenta. Tem recesso (parlamentar) e a relação com deputados. Não pude me afastar do governo federal. A partir de janeiro, não descarto me licenciar por um período para me dedicar… estudar melhor o tema. Comentei com o governador eleito. Doria disse para eu fazer o que fosse da minha conveniência. Foi muito correto. Estarei na posse.
Mas a denúncia contra o sr. não é um constrangimento para ele?
Esse incômodo maior será para mim. Estou com os bens bloqueados há um tempo bastante grande, o que me obriga a ter dinheiro em casa, porque não posso movimentar a minha conta bancária.
Por isso que o sr. tinha R$ 300 mil em casa?
Sim, é por isso. O primeiro pedido de bloqueio de bens foi no final do ano passado. Eu tinha de me preparar. Tenho os meus gastos, de uma maneira legal. Essa é a razão. Tudo isso traz um incômodo. Estou na vida pública há muito tempo. Quem não tiver humildade para conviver com isso, é melhor não estar na vida pública. Confio no Judiciário.
Como e quando será esse licenciamento do cargo?
Como minha atuação é política, tanto faz se estou dentro ou fora do governo.
Então, pode continuar ajudando Doria mesmo fora do governo? Se eu me licenciar, é muito mais uma ação de respeito ao eleitor para ter liberdade e tempo. Como minha atuação é política, tanto faz se estou dentro ou fora do governo. Estou avaliando. Ainda estou vivendo o governo Temer. Essa é a minha prioridade. Até terça ou quarta encerro minhas atividades. Aí eu volto para pensar como conduzir isso.
Não está preocupado com o foro privilegiado?
Não tenho nenhuma preocupação com o foro. Jamais tive. O foro praticamente acabou. Minha consciência está tranquila.
Doria inicia o mandato em São Paulo com um discurso muito nacional. Ele já é um nome para o Palácio do Planalto em 2022? E como fica a sucessão no Estado?
O Bolsonaro tem duas opções: reeleição ou não ser (candidato em nova eleição). Ele tem dito que não será candidato outra vez. Mas a gente que tem um pouco de experiência sabe que, se ele fizer uma boa gestão, vai ser legitimamente pressionado por seus eleitores a continuar. Essa é uma decisão dele. Até agora, ele tem acertado mais do que errado na montagem do governo. E o Doria? O Doria tem quatro opções. Pode ser candidato à Presidência da República, a vice, reeleição (ao governo paulista) ou ir para casa. Ele tem sido um leal companheiro do Bolsonaro. Ele pode ser vice do Bolsonaro, pode ir para casa, pode ser candidato à Presidência. É sincera a disposição dele de não ser candidato à reeleição. Ele vai fazer um bom governo. As circunstâncias apontam que a candidatura do Rodrigo (Garcia, vice-governador eleito) será natural em 2022.
Sobre a suposta mesada da J&F, que serviços o sr. prestou para a empresa?
Empresas da minha família já prestavam serviço antes mesmo dos atuais controladores. Eram três contratos, de aluguel de caminhões. Estou muito tranquilo sobre essa questão.
O sr. concorda com a tese de que deve existir limites nas delações premiadas?
Temos de reconhecer que a delação premiada funciona. Está funcionando. Felizmente, veio para ficar. Não posso deixar de enaltecer algo que tornou mais transparente a vida pública. Me alinho àqueles que defendem as delações. Defendo as delações.
O sr. teme ser preso?
Não. Só teme ser preso quem acha que cometeu um ilícito. Eu não cometi.
O sr. foi ministro da Dilma, do Temer e agora será secretário do Doria. Isso se enquadra na categoria do fisiologismo?
Vamos ser claros aqui. O PSDB acabou tendo um enfrentamento conosco na nossa fundação. Nesse enfrentamento, o PSD acabou se consolidando. Uma parte expressiva do partido veio de Estados que tinham apoiado o PT. Foi o caso da Bahia. O (Otto) Alencar era vice do então governador Jaques Wagner. Em 2014, na nossa aproximação tática para fazer o enfrentamento com o PSDB, nós acabamos fazendo uma aliança com o PT. Teve zero de fisiologismo. Fomos o primeiro partido a dar apoio ao PT. Não havia identificação ideológica nenhuma com o PT. O PSD é um partido de centro.
Antes não era centro, direita nem esquerda…
Todo mundo fala isso hoje. Essa pergunta foi antes de nascer o partido juridicamente. O que eu disse naquela época é que íamos definir o posicionamento ideológico. Se íamos ser mais à direita, esquerda ou ao centro. Depois, com o passar do governo (Dilma), começaram a vir as denúncias. Fizemos uma reunião da direção do partido e o PSD definiu por liberar a bancada, que estava dividida sobre o impeachment. A bancada acabou tendo um posicionamento majoritário pelo impeachment. Mais de 80%.
Para os petistas, isso foi uma traição…
Não foi traição. Foi sempre muito claro. Mais de 80% da bancada votaram a favor do impeachment.
Que marca o sr. deixa de sua gestão à frente do ministério?
Temos duas instituições que estavam em sérias dificuldades. Os Correios estavam literalmente quebrados. Oito mil funcionários foram desligados pelo PDV (Programa de Demissão Voluntária). Em 2018, a empresa começou a fazer lucro operacional. Recuperou patrimônio líquido. Hoje, temos em caixa R$ 1,2 bilhão nos Correios. Isso significa algo muito expressivo. O Internet para Todos recebeu um investimento expressivo e vai mandar banda larga para todos os cantos do País. O CNPQ, nós encontramos endividado. Recuperamos a credibilidade do CNPQ. Pagamos antecipadamente os bolsistas do exterior.