Carlos Newton
O ministro Gilmar Mendes é uma personalidade bipolar, ao mesmo tempo repelente e absorvente, realista e ilusório, tudo nele parece ter duas versões que vivem a surpreender a opinião pública. É capaz de canalhices extremas, como buscar brechas na lei para libertar criminosos de alto coturno e sem nenhum caráter, verdadeiros espoliadores do povo, e o faz de maneira até prazerosa, alegando que não oferecem ameaça ao povo, que é explorado justamente por eles, como no casos dos transportes.
Simultaneamente, o ministro bifásico pode encontrar uma maneira brilhante de denunciar algum problema social de interesse comum, e assim receber manifestações de apoio. Com tanta bipolaridade, Gilmar Mendes poderia ser um relançamento da “Metamorfose Ambulante”, de Raul Seixas, do romance “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson, ou do “Duas-Caras’, criado por Bob Kane e Bill Finger nas histórias do Batman.
PAPEL RUIM – Nisso tudo, a única coisa certa é que Gilmar Mendes faz o papel de um personagem ruim, é o bandido do filme, embora tenha momentos de genialidade.
Uma das características mais interessantes é que ele não se preocupa com sua imagem pessoal ou profissional. Por exemplo, embora não tenha lábios grossos, desenvolveu um rictus que lhe adorna o rosto com uma estranha beiçola, podem fotografar à vontade, que ele não está nem aí.
E no Supremo ele é capaz de libertar cerca de 20 pessoas, em série, sob o mesmo argumento de que os crimes estão distantes no tempo, embora alguns réus tivessem delinquido até 2017, sem distância alguma. Mas nos alvarás de soltura as justificativas são idênticas, Gilmar Mendes não muda uma vírgula, está pouco ligando para o que pensam dele.
AMIGO E MENTOR – Amigo íntimo do presidente Temer, cujo mandato salvou em 2016 ao presidir um julgamento dele, na verdade o ministro do Supremo hoje atua como uma espécie de mentor do chefe do governo, uma versão moderna de Rasputin, imberbe e calvo.
No momento, ele se dedica a inviabilizar a Lava Jato e a nova tese criada por ele é a “criminalização da política”, que está sendo usado como justificativa da chamada Operação Abafa. Semana passada, em entrevista a Roberto D’Ávila na GloboNews, Gilmar Mendes deu mais um passo nesse sentido, ao lamentar a “projeção exagerada e indevida da Lava Jato”.
“Toda essa bem-sucedida Operação Lava Jato, que é digna de elogios, levou também ao desaparecimento da classe política, dos partidos políticos. Por isso, ela passou a ter uma lógica própria. Veja que a Lava Jato passou a propor medidas legais, questionar medidas judiciais, a discutir aspectos que transcendem de muito a sua própria competência, a sua própria atribuição, a atribuição dessa chamada força-tarefa”, disse.
FIM DO CONGRESSO – Para arrematar sua tese da “criminalização da política”, o ministro lamentou então “o desaparecimento do Congresso com seu papel de contemporização, de moderação e de enfrentamento”, levando a que “essa organização, a Operação Lava Jato, ganhasse uma projeção talvez exagerada e claramente indevida”.
Gilmar Mendes não comenta diretamente, mas o fato concreto é que o Planalto e o Congresso sonham com uma anistia à corrupção política, a ser votada pelo Congresso após a eleição, aprovada por maioria simples e sancionada por Temer, para passar uma borracha na Lava Jato. Esta possibilidade foi prevista no ano passado pelo jurista Jorge Béja e agora vem sendo noticiada erradamente pela mídia como “indulto”.