Por Maurício Costa Romão
Uma das principais bandeiras desfraldadas pela população que freqüentou as ruas físicas e virtuais das manifestações de junho de 2013 foi a que demandava uma nova prática política, com ênfase em aspectos éticos.
A bandeira ficou de tal forma realçada naquelas inquietudes que passou a ser adotada por alguns candidatos a presidente e a governador na eleição de 2014.
Foi, por exemplo, reverberada urbi et orbi na postulação presidencial do ex-governador Eduardo Campos, na de sua sucessora, Marina Silva, e ainda, pelo candidato Aécio Neves. Em Pernambuco, apenas para citar um estado, foi um dos motes da campanha vitoriosa de Paulo Câmara ao executivo estadual.
Claro que “nova prática política” é uma concepção difusa. Mas, deixando de lado os pruridos hermenêuticos, basta compreendê-la despretensiosamente como a “necessidade de renovar os métodos viciados de fazer política”; “um jeito diferente de fazer política”.
Ou ainda, entendê-la por analogia a uma famosa definição de desenvolvimento de um país: “o desenvolvimento é como um elefante: difícil de definir, porém fácil de reconhecer”.
Por exemplo, o intento de alguns parlamentares estaduais de reconduzir pela quinta vez consecutiva ao cargo de presidente da Assembléia Legislativa do Estado (ALEPE) o atual mandatário, não é, definitivamente, uma nova prática política. Não é mesmo. E isso é “fácil de reconhecer”.
O disparatado propósito atenta violentamente contra os princípios republicanos albergados no art. 1º da Constituição Federal e obstrui a alternância de poder que é própria dos regimes democráticos.
Diante dessa inconcebível afronta, o presidente da OAB-PE, Pedro Henrique, no exercício do lídimo mister da entidade de defender a Constituição, a ordem jurídica e a boa aplicação das leis (art. 44, inciso I do seu Estatuto) formulou consulta à Comissão de Estudos Constitucionais (CEC) da própria Ordem sobre a possibilidade do atual presidente da ALEPE, deputado Guilherme Uchôa, ser reconduzido para novo biênio na legislatura que se inicia em 2015.
O robusto parecer da CEC, aprovado por unanimidade pelo Conselho Pleno da OAB-PE, diz, em síntese, que a Constituição do Estado permite apenas uma única reeleição de membros da Mesa Diretora (mandato de dois anos) para o período imediatamente subseqüente, criando-se inelegibilidade para um terceiro mandato consecutivo, mesmo que de uma legislatura para outra. In verbis:
“A regra geral vigente é a vedação à reeleição do terceiro mandato, e a excepcional, carreada pelo art. 3º da Emenda Constitucional 33, de 2011, é a possibilidade de reeleição para o terceiro mandato apenas na eleição para o segundo biênio da 17ª legislatura (a de 2011 a 2014, adendo nosso)”. Parecer da CEC, pag. 18.
Enfim, o documento da OAB é taxativo: “sob pena de ocorrência de grave inconstitucionalidade”, não é possível ao atual mandatário da ALEPE ser reconduzido ao mesmo cargo na próxima legislatura.
Ainda assim, em um recente programa de rádio o presidente da ALEPE, alheio a suscitada agressão legal, disse que trabalha seu nome para ser consensual entre os parlamentares e desdenhou da iniciativa da entidade classista:
“Em três tentativas de interferência em assuntos da Casa, a OAB nunca ganhou uma. Agora, se insistir, será novamente malsucedida, porque eleição de mesa diretora é assunto interna corporis”.
De fato, a eleição da Mesa Diretora é assunto de competência interna do Legislativo, mas o seu regramento é ditado pela Constituição do Estado, que estabelece impedimentos à reeleição sucessiva de seus membros.
Mas, mesmo que legal fosse tal perpetuidade de poder, seria ética e moralmente admissível?
Não se estaria afrontando o princípio elementar da alternância de poder? Não devem os cargos políticos ser exercidos através de mandato temporário, justamente para evitar que o poder se concentre indefinidamente nas mãos de determinados grupos ou pessoas, aumentando a ocorrência de vícios, usufruto de vantagens indevidas e tentações autoritárias?
A Casa de Joaquim Nabuco tem nessa eleição de seus dirigentes a oportunidade ímpar de praticar a nova política reclamada nas ruas, e caminhar no sentido de aproximar a representação parlamentar dos anseios da população, hoje separada por quilométrico fosso.
Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia.