O escritor Leonardo Padura não brinca em serviço, faz jus à sua fama de grande ficcionista. É sempre com muita habilidade que fala de sua Cuba natal, cujo socialismo, além de não rimar com democracia, é uma espécie de excrescência a assombrar o povo cubano. Como diria Isaiah Berlin, os ovos vão sendo quebrados, e a prometida omelete nunca fica pronta…
Mas não vamos falar de política, vamos falar um pouco de “Como poeira ao vento”. Lançado no Brasil há poucos meses, o romance é uma obra em que o autor de “O homem que amava os cachorros”, no auge de sua competência técnica, nos mostra por que merece ter saltado de sua famosa e polêmica ilha para as livrarias do mundo.
Em “Como poeira ao vento”, em meio a uma dúzia de personagens, por assim dizer tomados à realidade nacional, o que se desenha, para além da trama, é um mapa socioafetivo de uma Cuba atual e desesperançada. O país é uma espécie de personagem não declarada e, portanto, mais que um cenário geográfico dominante, seguido pela Espanha, pelos Estados Unidos e, em menor ponto, por Porto Rico e pela Argentina. É Cuba que respira, que fala, que reclama, que vive o drama de uma existência repleta de desafios e privações. É tanto a Cuba que permanece em seu próprio solo quanto a Cuba que se exila em dolorosa diáspora. Noutras palavras: Cuba são os cubanos. Mas é com elegante mão de mestre que Padura dosa e tempera a expressão dessa realidade. A nação fala por meio dos personagens.
Em meio à poeira, que a um só tempo traduz leveza, insignificância e impermanência, o romancista finca a âncora de uma celebração temática: o louvor continuado da amizade. É de um grupo coeso, e todavia diverso, que o narrador onisciente abordará a evolução e a vida de todos. Desde jovens, amigos e amigas formam o “Clã”. Os fios de seus destinos se entrelaçam e, para o bem ou para o mal, não só dão voltas entre si mesmos como se lançam, cada um à sua maneira, nas praias do futuro e do além-mar. O exílio os assombra, e os medos devem ser vencidos para a conquista da dignidade de uma vida. A atmosfera opressiva e corrompida do regime perpassa suas existências. Entre pequenas vitórias e frustrações, todos lutam contra a onipresente face da pobreza, da privação e da vigilância totalitária. Os que ficam e os que partem são todos exilados, com a diferença, como sugere um oportunamente citado José Martí, mártir da Independência, de que o exílio dentro da pátria é mais penoso (“Prefiro ser estrangeiro em outras pátrias a sê-lo na minha. Prefiro ser estrangeiro a ser escravizado nela”). Como reflete o narrador, “[…] a longa convivência com a miséria econômica engendrara, como geralmente acontece, misérias humanas e morais palpáveis, com toda a certeza mais difíceis de superar que as carências materiais”. É de uma total falta de perspectiva que se trata.
Com uma estrutura complexa, de múltiplos fios, a narrativa ora progride em tempos simultâneos para focar um determinado personagem, ora recua para esclarecer ou tratar de fatos que já soubemos apenas por alto ou por sua face mais superficial. É possível que um leitor mais impaciente tenha, até a metade do alentado livro (540 páginas), a impressão de que a história não avança ou que ela vai se esgarçando, mas retrospectivamente perceberá que o narrador tem suas razões secretas e necessárias. Do meio para o fim, a narrativa ganha mais condensação e velocidade, pois o tempo foi se acumulando, e os fios, aparentemente dispersos, vão sendo reunidos e devidamente atados, deixando mais claro o que o destino fez com cada um dos amigos e com o próprio “Clã” (é de se notar a maestria com que Padura, ao longo do romance, passa do foco individual ao coletivo). Sem falar, ressalte-se, que nesse término narrativo se desfaz um quase policial suspense que atravessa todo o livro…
Apesar do título desalentado, uma vez pesadas as palavras na balança dos ventos, lido o romance, nem tudo é pó! Eis um retrato em que ficção e realidade falam a mesma verdade.