Orçamento secreto garante R$ 41,6 milhões a ONG de Léo Moura, ex-jogador do Flamengo

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ONG de Léo Moura tornou-se uma escolinha de subtrair verbas

Breno Pires e André Shalders
Estadão

Ex-jogador de destaque no Flamengo, o hoje empresário Leonardo da Silva Moura, o Léo Moura, se tornou campeão de recursos recebidos da Secretaria Especial do Esporte do governo federal com uma entidade que promove treinamento de futebol para crianças e adolescentes.

Foram liberados ao todo R$ 41,6 milhões para o instituto que leva o nome do ex-atleta nos últimos dois anos por indicação de políticos aliados do Planalto. Mais de um terço (36,5%) do valor foi enviado via orçamento secreto, prática revelada pelo Estadão e usada pelo presidente Jair Bolsonaro para destinar bilhões de reais de dinheiro público a um grupo de parlamentares sem critérios claros, em troca de apoio no Congresso.

LIMA E ALCOLUMBRE – Os padrinhos dos pagamentos à ONG são, principalmente, o deputado bolsonarista Luiz Lima (PSL-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado.

A quantia destinada ao Instituto Léo Moura entre 2020 e 2021 é quase o dobro do enviado à Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBD), a segunda colocada, com R$ 27,5 milhões. Também supera o que foi enviado a confederações de esportes olímpicos, como a Confederação de Desportos Aquáticos (R$ 9,1 milhões), Ginástica (R$ 8,4 milhões), Vôlei (R$ 8,4 milhões) e Boxe (R$ 7,1 milhões).

O investimento de R$ 41,6 milhões em uma ONG é considerado descomunal por especialistas em gestão esportiva ouvidos pelo Estadão. O Ministério da Cidadania, ao qual a Secretaria Especial do Esporte está vinculada, diz que os recursos foram indicações de parlamentares, com execução obrigatória, ou seja, sem que o governo pudesse escolher para quem enviar.

EXIBIÇÃO ELEITORAL – Questionados, tanto Alcolumbre quanto Luiz Lima defenderam a importância do projeto e negaram irregularidades. Ambos exploram eleitoralmente a iniciativa ao terem suas imagens expostas em banners e em eventos de divulgação das atividades realizadas.

A principal ação do instituto é um projeto de escolinhas de futebol chamado Passaporte para Vitória, que atende, segundo a entidade, 6,6 mil jovens de 5 a 15 anos no Rio e no Amapá – o plano é expandir para 30 mil. As inscrições são feitas por ordem de chegada, sem critério social. A ONG não fornece alimentação nem transporte.

A verba é usada para a manutenção dos espaços e pagamento de funcionários, além da compra de chuteiras, caneleiras, uniformes e até um tipo de paraquedas especial usado em treinamentos para dar resistência a atletas, a R$ 80 a unidade – na internet é possível encontrar item semelhante por R$ 54. Ao todo, 1,6 mil paraquedas custaram R$ 128 mil.

COMPRAS MILIONÁRIAS – No Amapá, 15,6 mil pares de chuteiras e caneleiras foram comprados para atender as seis mil crianças, ao custo somado de R$ 2,1 milhões. O Estado recebeu ano passado 20 escolinhas com os repasses de Alcolumbre, que destinou R$ 15 milhões à entidade via emenda de relator – base do orçamento secreto.

Só na capital, Macapá, funcionam quatro unidades. Léo Moura esteve na cidade quando as atividades começaram, em julho, e posou para fotos ao lado do senador, que divulgou as imagens em seu Facebook.

Os repasses para o instituto, no entanto, começaram antes, por meio de emendas do deputado Luiz Lima, ex-nadador olímpico e ex-secretário nacional do Esporte no governo de Michel Temer. Lima enviou, em 2020, R$ 5,2 milhões para bancar 15 núcleos no Rio, cada um com capacidade para atender até 300 crianças. A foto e o nome do deputado aparecem em banner do Passaporte Para Vitória numa rede social.

FALTAM RECURSOS? – O Estadão esteve em duas das unidades na última quinta-feira, uma em Teresópolis (RJ) e outra em Macapá. Na primeira, as atividades estão suspensas desde novembro e os responsáveis afirmaram que ainda esperam liberação de recursos para retomar as aulas.

No local há apenas um campinho de futebol com menos da metade das dimensões oficiais, sem marcações e grama só nas laterais. Segundo vizinhos que não quiseram se identificar, duas balizas sem rede, também fora do padrão, e um contêiner foram as únicas benfeitorias trazidas pelo projeto ao campo, que já existia.

Em Macapá, por sua vez, um pequeno grupo de crianças participou das atividades na manhã de quinta num campo de grama sintética, bem conservado, com grades novas e iluminação, na orla do bairro Santa Inês, próximo ao centro.

DINHEIRO EM CAIXA – A ONG terminou 2021 tendo utilizado apenas R$ 5 milhões das verbas federais que efetivamente já caíram em sua conta. Apesar disso, novos aportes estão a caminho.

Em 23 de dezembro, o presidente do Instituto Léo Moura, Adolfo Luiz Costa, enviou ofício ao relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), pedindo a liberação de mais R$ 7,032 milhões, “tendo em vista a importância social e o alcance desse trabalho”.

Segundo Léo Moura, o dinheiro adicional, que ainda não foi liberado por questões burocráticas, também foi intermediado por Alcolumbre para o Amapá.

COMPARAÇÃO – Os R$ 41,6 milhões em repasses ao Instituto Léo Moura representam 11% dos R$ 374,7 milhões destinados pela Secretaria Nacional de Esportes desde 2019 para projetos esportivos. A cifra supera o investimento que 24 Estados e o Distrito Federal fizeram, individualmente, no esporte, em 2020. Apenas Bahia e São Paulo aplicaram mais recursos, segundo dados obtidos pela ONG Contas Abertas a pedido do Estadão.

O volume aplicado na entidade do ex-lateral do Flamengo é “extraordinário”, na opinião de Katia Rúbio, professora da Faculdade de Educação da USP.

“É quase um terço da verba pública do Comitê Olímpico Brasileiro, e muito além do que grandes federações recebem. Isso causa estranhamento”, disse a coordenadora do grupo de estudos olímpicos da USP.

MAGIC PAULA – A dificuldade na captação de recursos públicos, por sua vez, foi uma das razões que levou ao fim do Instituto Passe de Mágica, criado pela ex-jogadora de basquete Magic Paula. Fundado em 2004, a entidade fechou as portas após 16 anos de atividades, em dezembro de 2020.

Segundo o ex-diretor executivo do projeto, Ismar Barbosa, a cada ano era mais difícil conseguir dinheiro via Lei de Incentivo ao Esporte. “Após uma análise envolvendo a diretoria e conselho do IPM, foi decidido em 2018 pela descontinuidade progressiva dos atendimento, culminando no encerramento ao final de 2020”, disse Barbosa.

Para o ex-ministro do Esporte Ricardo Leyser, a concentração de recursos na ONG faz parte do contexto da extinção do Ministério do Esporte e do enfraquecimento das políticas públicas de esporte e lazer. “Você acaba atribuindo a entidades que não têm uma relevância esportiva significativa no cenário nacional um papel de protagonista.”

DIZEM OS PADRINHOS – Alcolumbre justifica que, além de atender crianças e adolescentes em todos os municípios do Amapá, o projeto gera empregos. O senador disse ainda que as emendas de relator-geral estão previstas nas leis orçamentárias e possuem “total transparência”.

“O Legislativo e o Judiciário já chegaram a um consenso no aperfeiçoamento da legislação, garantindo maior controle e participação social.”

O deputado Luiz Lima, por sua vez, afirmou que a sua ligação com o projeto é antiga e que a marca Passaporte Para Vitória, inclusive, foi criada por seu chefe de gabinete e, depois, associada ao Instituto Léo Moura. (Colaborou Márcio Dolzan)