Está em andamento um pedido à Igreja de beatificação de Isabel, enquanto no Congresso tramitam projetos que sugerem a inserção de seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria
Ao sancionar em 1888 uma das mais emblemáticas normas brasileiras — a Lei Áurea —, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança, popularmente nominada princesa Isabel, “a Redentora”, lapidou por definitivo seu nome entre os mais importantes da história nacional. No centenário de sua morte, ocorrida em 14 de novembro de 1921, a personalidade isabelina reflete uma mulher extremamente religiosa (engajada, crente e fiel), espiritualizada, letrada, otimista, autoritária e que buscou o reconhecimento de que estava apta a reinar — o que aconteceu por três vezes ao assumir interinamente o comando do Império, em meio a períodos de grande agitação social e política.
Filha de Dom Pedro II e Teresa Cristina de Bourbon, a princesa imperial, nascida em 1846, no Rio de Janeiro, só se tornou definitivamente a herdeira presuntiva do Império após a morte prematura de seus dois irmãos homens: o primogênito D. Afonso Pedro, falecido aos 2 anos, e D. Pedro Afonso, com pouco mais de 1 ano.
Com o caráter moldado por D. Pedro II para ser sua sucessora, a princesa imperial, assim como seu progenitor, adorava leitura, ciência, química, fotografia.
— Dom Pedro II era um conservador, parecido com seu avô D. João VI, já Dona Isabel era mais parecida com seu avô D. Pedro I, que era dos rompantes. Por ser mulher, era muito tolhida na sociedade em que viveu e na sua época era a única na política — explica o historiador Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, coautor da obra Alegrias e Tristezas: estudos sobre a autobiografia de D. Isabel do Brasil, com a historiadora Fátima Argon.
A trajetória da princesa está documentada pelo Arquivo do Senado, em Brasília. Os registros revelam de congratulações a preocupações e apontam que muitos parlamentares não vislumbravam o comando em definitivo do Império nas mãos de uma mulher.
Em agosto de 1850, as duas câmaras das Casas parlamentares se reuniram no Paço do Senado para a sessão de reconhecimento da princesa imperial como sucessora de seu pai, Dom Pedro II, no trono e na Coroa do Brasil. Dez anos depois, ao completar 14 anos, ela fez o juramento, diante da Assembleia Geral, como herdeira presuntiva do Império, no qual assegurou “manter a religião católica apostólica romana, observar a constituição política da nação brasileira, e ser obediente às leis, e ao imperador”.
Nos seus 18 anos, a princesa encontrava-se diante dos preparativos para seu casamento, firmado com o príncipe franco-germânico Luís Filipe Maria Fernando Gastão d’Orléans, o Conde d’Eu.
— Pensava-se no Conde d’Eu para minha irmã [princesa Leopoldina] e no Duque de Saxe para mim. Deus e os nossos corações decidiram diferentemente, e a 15 de outubro tinha eu a felicidade de desposar o Conde d’Eu — registrou a princesa Isabel.
A escolha do esposo da herdeira imperial, repudiada por alguns parlamentares, causava uma preocupação redobrada.
— Por ela ser mulher, os senadores e deputados, que eram absolutamente machistas, achavam que o marido é que iria mandar — esclarece o historiador Antunes de Cerqueira.
Em maio de 1871, foi aprovada pela Câmara e encaminhada ao Senado a proposta de outorga de consentimento para que o imperador pudesse deixar o país, em viagem à Europa por motivo do estado de saúde da imperatriz.
Tal autorização legal conclamava, na ausência de Dom Pedro II, a governança por parte da princesa imperial, pela primeira vez, como regente.
A manifestação ensejou debates no Plenário do Senado, com a defesa da proposta pelo presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), o senador Visconde do Rio-Branco (BA):
— O motivo é muito atendível e imperioso: a saúde de Sua Majestade a Imperatriz. (…) Nós, porém, pensamos que não há razão alguma para recear que uma ausência tão curta do chefe do Estado ponha em perigo a nação brasileira.
O senador J. M. Figueira de Mello (CE) não só defendeu a saída do imperador, como ratificou total e completamente as atribuições de poder moderador e de chefe do Poder Executivo à princesa.
Na contramão, o senador Zacarias de Góes e Vasconcellos (BA) demonstrou preocupação com a viagem, “diante de iminente reforma acerca da questão do estado servil” — que em alguns meses daria origem à Lei do Ventre Livre — e com as atribuições atribuídas no projeto à futura regente imperial.
Também contrário à saída do imperador, o senador Silveira da Motta (GO) foi convicto em propor ao menos uma data-limite para retorno, citando a “incerteza com que a regência continuará a funcionar como realeza temporária”.
Ao assegurar que o chefe do Estado estava sempre pronto a cumprir seus altos deveres, o presidente do Conselho de Ministros mais uma vez ponderou que “para o gabinete não é duvidoso que a regência, no caso de que se trata, compete à herdeira presuntiva da Coroa”.
Assim, em 19 de maio foi outorgado o consentimento ao imperador. No dia seguinte, Dona Isabel — assim chamada por ser alteza — fez seu juramento como regente diante da Assembleia Geral. Foi durante essa primeira regência que a princesa se tornou, aos 25 anos, a primeira senadora do Brasil, título assegurado a ela pela Constituição do Império.
O fim da escravidão nos Estados Unidos, em 1865, reforçou o espírito abolicionista no Brasil, onde por longos anos temeu-se a guerra civil em decorrência da procrastinação da abolição.
— Nessa primeira regência Dona Isabel era uma menina. Visconde do Rio-Branco, primeiro-ministro, é que detinha todo o poder. A Lei do Ventre Livre era obra sua, mas é claro que ele dá crédito à Dona Isabel, porque ele era um monarquista contumaz — explica Antunes de Cerqueira.
A par do comando de Rio Branco, a princesa imperial tinha completa noção do que fazia, conhecia o jogo político e sabia quem iria votar a favor ou contra à proposta da primeira lei abolicionista, segundo o historiador.
Muito esperada, a votação do projeto por deputados e senadores foi marcada por conflitos que perpassaram interesses políticos, partidários e escravocratas.
Apenas dois dias após ter sancionado a Lei do Ventre Livre — que fixou a data de 28 de setembro de 1871 como o marco a partir do qual as mulheres escravizadas dariam à luz crianças livres —, a princesa imperial, grávida, fez sua primeira fala à Assembleia Geral, congratulando-se com os parlamentares pela extinção gradual do elemento servil.
— Esta última reforma marcará uma nova era no progresso moral e material do Brasil. É empresa que exige prudência, perseverantes esforços e o concurso espontâneo de todos os brasileiros. Tenho fé em que seremos bem sucedidos, sem prejuízo da agricultura, nossa principal indústria, porque esse cometimento é a expressão da vontade nacional, inspirada pelos mais elevados preceitos da religião e da política. O governo fará quanto lhe cumpre para a mais pronta e perfeita execução de tão importantes reformas, dedicando-lhes a mais solícita atenção — afirmou a regente.
Pouco tempo depois de Isabel ter encerrado sua primeira regência, o magistrado Sayão Lobato externou em sessão no Senado seus agradecimentos pelo tempo em que atuou como ministro da Justiça durante a primeira governança da princesa. Com Isabel, ele disse ter sido honrado com sua “graciosidade, extrema bondade e continuadas provas de confiança”.
Do fim da primeira regência até 1876, a princesa Isabel esteve completamente tomada pela vida íntima, assombrada pela dificuldade de gerar herdeiros. O primeiro aborto ocorreu em outubro de 1872, sucedido pela perda de um filho no parto, em 1874. Somente em outubro do ano seguinte nasceu o primeiro herdeiro da princesa, chamado Pedro de Alcântara em homenagem ao avô imperador.
Poucos meses depois, em março de 1876, a princesa imperial foi nomeada com totais poderes regente pela segunda vez, a partir de nova viagem do imperador. A segunda experiência no trono não lhe foi fácil, tornando-se ainda mais pesada com o registro de mais um aborto.
As eleições do final daquele ano foram marcadas por fraudes e violência. Sua extrema ligação com a Igreja a manteve na linha de severas críticas. A princesa também esteve no comando em um difícil período de pós-epidemia de varíola e de vindoura grande seca, que deixaram centenas de milhares de mortos.
Na abertura dos trabalhos legislativos do ano seguinte, a regente abrandou os acontecimentos turbulentos do período eleitoral e tratou do orçamento para o biênio 1877-1878. Aos parlamentares, ela assegurou que o governo procurou reduzir os gastos, mas que seria necessária a decretação de meios que fizessem desaparecer qualquer desequilíbrio entre a receita e a despesa:
— Causas conhecidas explicam o fato de não ter a receita pública atingido o algarismo em que foi calculada. Para segurança do crédito nacional, cumpre não confiar unicamente no aumento natural da renda. As obras de viação férrea e outras votadas exigem despesas a que não pode por si só fazer face a receita ordinária. E porque não fora prudente usar largamente dos recursos do crédito, atenta à nociva influência que os empenhos contraídos exercem sobre o presente e o futuro, é de bom conselho atender somente aos melhoramentos, que não possam ser adiados.
Impossibilitada de comparecer à abertura da segunda sessão legislativa, em meados de junho de 1878, coube ao ministro e secretário de Estado dos negócios do Império, Antonio da Costa Pinto e Silva, transmitir aos parlamentares as palavras da regente, que não se esquivou de tratar da forte seca que assolava regiões do país.
— A prolongada falta de chuvas em algumas províncias do Norte e na de S. Pedro do Rio Grande do Sul acarretou sobre elas as provações inerentes a semelhante flagelo. O governo, auxiliado pela caridade particular, tem acudido as populações daqueles pontos do Império com gêneros alimentícios, autorizando ao mesmo tempo os presidentes a despenderem o que for preciso para aliviar os sofrimentos das classes mais necessitadas; e estudará os meios de prevenir, quanto for possível, os graves efeitos desse mal, de que periodicamente são vítimas, com especialidade as províncias do Norte.
Pouco tempo depois, o senador Góes de Vasconcellos, ao criticar a ausência do imperador, renegou afirmativas de que D. Pedro II não faria falta por ter deixado regente em seu lugar.
— Não procede a escusa. A virtuosa princesa, embora tenha, pela Constituição, plenos poderes para governar, é, afinal, simples regente, adstrita à vontade, às prescrições, aos conselhos do chefe ausente; não pode afastar-se daquilo que presuma ser a mente do augusto viajante. Demais a sua saúde não é muito vigorosa, segundo consta dos jornais, que, de vez em quando, anunciam que a princesa acha-se impedida de sair à rua e dedicar-se aos trabalhos de seu elevadíssimo cargo.
O machismo enraizado na época colocava recorrentemente em xeque as competências da princesa imperial. “Apático” era a palavra que definia o governo de Dona Isabel, segundo Góes de Vasconcellos, ao passo “que ela não governava como imperatriz, mas apenas como regente”.
— Ainda, se as circunstâncias do país fossem favoráveis, mas sendo críticas e cheias de dificuldades muito sérias, deverá estar à testa do governo quem ocupa efetivamente o trono, e não sua augusta filha. Ele, o sábio, o mais ilustrado dos monarcas do mundo, esse é quem devia estar no país à frente dos negócios — completou o senador.
Com o fim de sua segunda regência, a princesa voltou-se por completo à vida familiar. Em janeiro de 1878 veio o segundo herdeiro, príncipe D. Luís. Em Paris, em agosto de 1881, nasceu o terceiro filho, D. Antônio.
Com a partida de D. Pedro II para a Europa por recomendações médicas, aos 40 anos a princesa imperial iniciou a terceira e última regência, em julho de 1887, período tomado pelo crescimento do movimento abolicionista. Com seu apoio, não foram poucos os projetos pelo fim da escravidão apresentados na Câmara e no Senado.
Na presidência do Conselho de Ministros, o Barão de Cotegipe (BA) — líder da bancada escravagista — trabalhou pelo retardo das reformas que culminariam na abolição dos escravizados. O período foi ainda mais conturbado pela insubordinação militar no Exército brasileiro.
Em abril de 1888, a própria princesa imperial comandou, em cerimônia no Palácio de Cristal, a libertação dos últimos escravizados no município de Petrópolis.
— Fez o Gabinete todo e parlamentares subirem a serra para mostrar poder. Ela estava mostrando para aqueles homens o que era capaz de fazer — relata o historiador Antunes de Cerqueira.
Nessa mesma época, em uma manobra inteligente, a regente — certamente já bem mais madura politicamente — destituiu todo o gabinete e nomeou como novo presidente do Conselho dos Ministros o conservador pró-abolição João Alfredo Correia de Oliveira, em um ato que ela mesma nomeou de “golpe”.
Crítico da regente imperial, o liberal senador Saraiva (BA) destacou que a princesa queria que o ministério tivesse um homem da confiança dela, isto é, “um chefe de polícia que a deixasse dormir tranquilamente no seu palácio de Petrópolis”.
O senador Leão Velloso (BA) contestou comentários, dentro e fora do Parlamento, sobre os atos de Sua Alteza.
— No procedimento da Coroa nada se pode notar que não ache apoio nas doutrinas seguidas em outros países, ou não se harmonize perfeitamente com alguns precedentes.
Na abertura de sessão legislativa de maio de 1888, além de tratar de questões caras ao Brasil — como segurança pública, estado sanitário do país, educação, renda pública e organização militar —, a regente imperial não deixou de destacar a ânsia pelo fim da escravidão.
— A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido.
A princesa conclamou os parlamentares a não hesitarem “em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espírito cristão e liberal das nossas instituições”.
Não demorou e, em 8 de maio, o gabinete de Correia de Oliveira encaminhou à Câmara dos Deputados a proposta de lei para a completa extinção da escravidão no Brasil. Bem recebido pelas duas Casas, o projeto foi aprovado pelos deputados dois dias depois. Quando chegou ao Senado, no dia 11, foi constituída comissão especial para apresentar parecer sobre a proposta.
A urgência com que a matéria foi tratada nas duas Casas legislativas incomodou os escravagistas, que não se conformavam com a perda dos escravizados e de não haver qualquer previsão de ressarcimento aos seus então proprietários.
O senador Paulino de Souza (RJ), ao confessar-se vencido pelo projeto da Lei Áurea, lembrou que em 1885 “achávamos em plena propaganda abolicionista” e que a proposta que os parlamentares iriam votar era “inconstitucional, antieconômica e desumana”.
— Pois bem, é o governo regular do Brasil que, em contraposição àquele governo revolucionário, faz decretar, de um dia para outro, a abolição imediata, pura e simples, sem uma garantia para os proprietários, espoliando-os da propriedade legal, abandonando-os a sua sorte nos termos do nosso interior, entregando-os à ruína, expondo-os às mais temerosas contingências, sem também por outro lado tomar uma providência qualquer a bem daqueles, que voltam em grande parte à miséria e ao extermínio, nos primeiros passos de uma liberdade, de que, não preparados convenientemente, dificilmente saberão usar a seu benefício.
O senador afirmou “iludirem-se” aqueles que acreditavam remover uma grande dificuldade com a lei da abolição do elemento servil.
— Pelo contrário, é agora que recrescem, com a desorganização do trabalho e com a entrada de 700 mil indivíduos não preparados pela educação e pelos hábitos da liberdade anterior para a vida civil, as contingências previstas para a ordem econômica e social.
Com apoio de muitos no Plenário, o senador Dantas (BA) assegurou aos pares que a abolição da escravidão não marcaria para o Brasil uma época de miséria, de sofrimentos, de penúria.
— Uma simples consideração, porque a discussão longa virá depois, bastará para tranquilizar os que se aterrarem com os presságios dos honrados senadores que me precederam: dentro de espaço de 17 anos, 800 mil escravos têm desaparecido do Brasil. Pois bem, senhores, é justamente neste período que se nota maior riqueza no país, grande aumento de trabalho e com ele maior produção, e, como consequência, considerável aumento na renda pública.
As reformas liberais não poderiam representar, na opinião do parlamentar, um perigo ao Brasil, mas seriam “o complemento, o remate, a consequência natural do passo que estamos dando”.
O presidente do Conselho de Ministros, Correia de Oliveira, completou:
— Tem-se ainda apelado para os transtornos que desta proposta hão de provir. Sei bem que não se extirpa do organismo social um cancro secular sem que perturbações se operem. Nunca mais há de abrir-se, porém, a cicatriz desta ferida: e sobre ela se levantará — o patriotismo e o bom senso dos brasileiros o indica — o grande edifício da crescente prosperidade de nossa pátria.
No domingo de 13 de maio de 1888, apenas três dias após a deliberação do texto abolicionista na Câmara, o Senado aprovou a proposta, sancionada no Paço Imperial poucas horas depois pela regente imperial, aclamada a “Redentora”.
Sem poder agir publicamente pela abolição até janeiro de 1888, quando pôde externar seu abraço à causa já nacionalmente disseminada, a princesa Isabel agia na surdina — como em 1886, quando impediu a destruição do Quilombo do Leblon, portanto dois anos antes da completa abolição da escravidão.
— As pessoas não queriam dizer que a Lei Áurea, fruto de uma luta popular, dos líderes abolicionistas, que eram negros e brancos letrados, também foi uma luta palaciana. Isso ninguém queria reconhecer. Uma das coisas que mais incomodavam era o fato de que Dona Isabel tinha poder como mulher, porque era regente do Império, e ela atuou — expõe o historiador Antunes de Cerqueira.
Os chefes do movimento abolicionista (Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio) eram três homens isabelistas, lembra ele:
— Isso tinha alguma significação: indica que eles queriam o terceiro reinado para implementar as reformas de que eles mesmos eram os baluartes. Ora, se o terceiro reinado não veio, como é que eles ou Dona Isabel podem ser culpados pelo pós-abolição? — questiona
Os escravocratas denominaram a abolição como o “golpe de estado da Lei de 13 de maio”. Antunes de Cerqueira afirma que, ao sancionar a Lei Áurea, a princesa imperial fez algo que seu pai nunca faria. Tal discussão esteve em debate no Senado na época.
O senador Chistiano Ottoni (MG) tomou a palavra para retificar o que chamou de “inexatidões flagrantes”, como apontar Sua Alteza Imperial como a única que poderia decretar a lei de 13 de maio, “visto que seu pai seria incapaz de igual energia”.
— Ora, a verdade histórica é que o nome que há de ser citado no futuro como o primeiro autor da libertação é o do Sr. D. Pedro II. O começo da evolução, a aurora desse movimento, foi a carta escrita em 1866 pelo nosso ministro da Justiça aos sábios franceses prometendo a reforma; e desta carta declarou há dias o Sr. deputado Joaquim Nabuco que possui a minuta por letra do Imperador. Está, pois, a sua iniciativa mais que averiguada.
— Na verdade, os homens tinham asco dela por ser uma mulher com poder, ser a herdeira do trono. Ia ser a imperatriz, estar acima de todos eles, mandar. Eles eram machistas — diz o historiador Antunes de Cerqueira.
A despeito de sancionar o ato abolicionista incondicional, a princesa continuava na mira das críticas, em especial da imprensa, muitas vezes agressiva. “Carola” e “retrógrada”, por suas práticas religiosas, eram algumas das palavras que constantemente maculavam sua imagem.
Em meio à agitação política e econômica, a regente — favorável ao sufrágio feminino — acompanhava o crescimento de adesões a pedidos, de diferentes direções, para requerer mudanças na forma de governo.
Em setembro de 1888, o Papa Leão XIII concedeu a Rosa de Ouro à princesa Isabel. A honraria era destinada a personalidades católicas de grande destaque e benemerência, e foi outorgada a ela especialmente pela assinatura da Lei Áurea.
Tal fato acirrou ainda mais os debates no Senado, onde os parlamentares discutiram uma possível jura ou manifestação de obediência da regente à Santa Sé.
— Devo declarar que a notícia não é exata: não houve tal juramento — garantiu o presidente do Conselho, senador Correia de Oliveira.
A possibilidade de um futuro governo monárquico em definitivo nas mãos de uma mulher também inflava os debates na Casa.
O senador Soares Brandão (PE) explanou sobre o fato de mulheres oferecerem, em muitas partes do mundo, um reinado mais esplêndido do que os homens.
— Se é certo que elas não têm a grande virtude política de governo, que ordinariamente podem ter os homens (a de perdoar as injúrias); se são mais sensíveis, mais vingativas, mais nervosas, também é certo que têm sobre os homens uma imensa superioridade: não têm ciúmes, não têm invejas, os seus ministros não lhes fazem sombra; podem, pois, gloriar-se com o governo deles.
O retorno de Dom Pedro II ao comando do país, em agosto de 1888, não perpetuou por muito tempo sua governança, sucedida pela Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.
— A República não foi feita contra a família imperial, mas claramente contra Dona Isabel, em seu terceiro reinado (os republicanos diziam que a abolição foi um confisco de propriedade e queriam indenização), e contra os negros. A República foi uma forma de impedir a politização do movimento abolicionista e ascensão dos negros — defende Antunes de Cerqueira.
Com a notícia da República, em vários lugares do país, como Rio de Janeiro, São Luís, Florianópolis e Cuiabá, os negros fizeram, nos dias subsequentes, rebeliões que terminaram com muitos mortos.
— Os negros entendiam que Dona Isabel era legítima para reinar, porque ela, na verdade, do ponto de vista político, ameaçou seu próprio trono com a abolição. Eles achavam que mesmo ela sendo mulher, loira, branca e de olho azul, tinha legitimidade. A Guarda Negra da Redentora, que existia no Brasil inteiro, foi assassinada pela República Velha. São heróis anônimos — completa o historiador.
Com a República, chegou o exílio da família imperial, que desembarcou em Lisboa em dezembro do mesmo ano. Não tardou e semanas depois a imperatriz Teresa Cristina faleceu na cidade do Porto. A princesa Isabel e a família se mudaram para a França. Dom Pedro II morreu em dezembro de 1891, quando a princesa passou a ser reconhecida pelos monarquistas como a nova imperatriz.
Em 1920, o presidente da República, Epitácio Pessoa, deu fim ao banimento da família imperial. Com a saúde deteriorada, sem poder retornar ao Brasil, a princesa morreu em 14 de novembro de 1921, aos 75 anos, tendo sido inicialmente enterrada na França.
Ao declarar Isabel como “um grande nome da nossa história”, o senador Tobias Barreto (RN) pronunciou-se após sua morte:
— Parece que foi ironia do destino reservar a uma mulher o papel de consumar a grandiosa obra que os nossos homens de Estado durante 66 anos não souberam levar a cabo por si sós; ou então quis o destino que essa mulher constituísse um símbolo de bondade, para ficar na história, representando a forma incruenta pela qual realizamos uma verdadeira revolução, que a outros tinha custado caudais de sangue.
Isabelista, o senador afirmou que a princesa não era possuída da timidez do pai:
— Quando lhe afrontavam os sentimentos, sabia defendê-los de viseira erguida.
Apesar de, poucos dias depois da morte de Isabel, ter sido apresentado projeto à Câmara dos Deputados para a repatriação de seu corpo, somente em 1953 os restos mortais chegaram, em navio de guerra, ao Brasil. Assim como o Conde d’Eu, ela foi reenterrada em 1971 na Catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis, santuário cuja obra foi iniciada pela própria princesa imperial, em 1884.
Está em andamento um pedido à Igreja de processo de beatificação de Isabel, enquanto no Congresso tramitam projetos de lei que sugerem a inserção de seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
— Os 100 anos de morte de Dona Isabel rememoram uma personagem nebulosa, fulcral, querida da população. Ela participou do processo abolicionista, mas isso foi negado e mal interpretado no próprio tempo em que ela viveu. A história dessa personagem explica um Brasil atual e também um Brasil que não veio — conclui Antunes de Cerqueira.