Por Fabiana Moura
O ano termina e não podemos deixar de lembrar de uma leitura encantadora que completou, juntamente com o falecimento de sua escritora, seus quarenta anos de publicação. “A Hora da Estrela” é um romance da terceira fase do Modernismo brasileiro, escrito pela tão aclamada escritora, Clarice Lispector, sendo este, o seu último romance, publicado em 1977.
Um grande clássico, obrigatório para quem vai prestar vestibular, e recomendado em grande parte das universidades, não deixa de ser atual por seu conteúdo que trata sobre o grande conflito humano em busca do seu eu.
O livro conta a história de Macabéa, uma jovem nordestina, mais especificamente alagoana, órfã de pai e mãe, que teve uma rígida criação por sua tia beata, e que após a perda desta, vai para o Rio de Janeiro viver em uma pensão com mais outras quatro mulheres.
Apesar de sua pouca instrução, trabalha como datilógrafa ao lado de Glória e seu patrão, que só não a despede por dó, e é neste cenário que se desenrola a narrativa da pacata, rotineira e entediante vida da moça, sem luz e brilho, vivendo apagada em meio à grande cidade, com sua aparência e aspecto quase invisível e desnecessário em meio a multidão.
O mais interessante nesta narrativa é que, o personagem principal apresentado não é somente Macabéa, mas também o seu narrador, escritor da história (fictício) Rodrigo S.M., que ao longo do enredo vai mostrando ao leitor, quase que em uma conversa íntima, seus sentimentos, aflições e ansiedades em relação ao seu eu, sua forma de escrever e a sua intimidade, transformando-se bem próximo à alagoana, e sua criação torna-se um reflexo, espelho de seu íntimo.
E é no meio desta trama que percebemos que há um conflito entre a jovem e o escritor, seu criador, que se enxerga nesta busca e descoberta de seu eu/identidade, e desta forma, percebemos que ele tenta dar uma justificativa para sua necessidade de escrever sobre Macabéa, quase como uma obrigação sua parte.
Clarice Lispector em suas poucas, mas incríveis páginas, faz uma análise psicológica, sociológica e principalmente filosófica sobre a arte de viver, mesmo em sua simplicidade e rotina, mesmo que não haja novidade, e tudo isto com uma linguagem poética e agradável, toda metafórica, que prende o leitor de tal forma que torna possível a conclusão da leitura em poucas horas, deixando um misto de tristeza e saudades ao chegar ao final em quem desfruta de sua obra.
Com características marcantes da terceira fase do Modernismo, a autora consegue traçar um perfil psicológico muito profundo de seus personagens, e isto não só dos principais, mas inclusive dos secundários, como o estranho namorado da moça, Olímpico, sua “amiga” e companheira de trabalho, Glória, e até mesmo da cartomante, que aparece por pouco tempo, já quase no final da história, mas o suficiente para conhecermos também seu íntimo.
Se analisarmos bem as características da protagonista da história e seu escritor/criador, que é o seu reflexo, perceberemos que há em cada um de nós um pouco (ou muito) desta figura, que vive acomodada com o seu eu desconhecido, sem ambições futuras e arrastando-se em seu presente, afundada em uma vida vazia, mas aparentemente suficiente; a diferença é que, quando nos damos conta disto, tentamos disfarçar com falsas alegrias para não vermos em nós o rosto pálido e sem vida de Macabéa.
E é por este motivo que esta leitura, apesar de ser dos anos 70, é tão apreciada ainda depois de quarenta anos de sua publicação, pois retrata com detalhes de mais pura poesia o grande vazio existencial que tem assolado tantas pessoas das quais ainda não encontraram seu verdadeiro ser, não descobriram a estrela protagonista de suas próprias vidas que são.
Uma história que teve uma bela adaptação para o cinema em 1985, sob direção de Suzana Amaral, mas que só é possível mesmo desfrutá-la em toda a sua inteireza com a leitura de suas 87 páginas, para quem ainda não a conhecia, vale a pena dedicar-se à sua narrativa, e para quem já a conhece, é merecida a releitura!
fonte: Woomagazine