O ministro Luís Roberto Barroso costuma dizer que o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) é empurrar a História. Essa máxima já rendeu à Corte interpretações de normas para muito além dos textos literais. O exemplo mais recente é do julgamento em curso, que deve liberar a reeleição na mesma legislatura de presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.
A Constituição impede expressamente as reeleições dos comandantes do Congresso Nacional em uma mesma legislatura. O relator do caso, Gilmar Mendes, explicou que a vedação surgiu no regime militar. Segundo ele, quando o Congresso aprovou, em 1997, a emenda que permite a reeleição para o chefe do Executivo, houve um “redimensionamento” de toda a Constituição. Sob esse novo parâmetro, estaria liberada também a reeleição no Parlamento.
Não é a primeira vez — e provavelmente não será a última — que uma interpretação do Supremo vai além do que diz a literalidade de uma norma. No ano passado, o plenário equiparou o crime de homofobia e transfobia ao racismo, impondo a aplicação das mesmas punições a quem incorre nessas práticas. Antes disso, o tribunal também equiparou as uniões homoafetivas às heterossexuais, embora isso não esteja escrito em lei nenhuma no país.
No direito, essas decisões são classificadas de ativismo judicial. Ou, nas palavras de Barroso, uma forma de empurrar a História. No caso da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, o tempo dirá se o Supremo empurrou a História para frente ou para trás.
Vale lembrar que, se hoje está em jogo a continuidade de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre no poder, amanhã, a mesma regra pode beneficiar qualquer outro parlamentar que se eleja presidente de uma das casas. Como, por exemplo, Arthur Lira (PP-AL). Lira, que responde a processo no Supremo por corrupção passiva, é o nome preferido do presidente Jair Bolsonaro para suceder Maia no comando da Câmara. Maia tem excelente relação com ministros do Supremo. Mas é adversário político de Bolsonaro. E se Lira for eleito, reeleito em outra legislatura, e decidir concorrer a um terceiro mandato?