Manobra de governador assegurou remuneração extra para sua mulher e demais juízes em PE

Férias acumuladas turbinaram rendimentos de 428 magistrados do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Por João Valadares

Uma manobra contábil do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), assegurou o pagamento de remunerações extras do Tribunal de Justiça a juízes e desembargadores.

A justificativa é o pagamento de férias acumuladas. Com isso, de uma só vez, juízes e desembargadores receberam rendimentos líquidos em novembro que chegam até a R$ 853 mil. Em um dos casos, a quantia bruta paga pela corte a uma juíza da capital é de R$ 1.298.550,56.

Na lista de beneficiadas está a primeira-dama do estado, a juíza Ana Luiza Wanderley de Mesquita Saraiva Câmara. Lotada na 17ª Vara Cível da Capital, ela teve rendimentos totais em novembro de R$ 198.912,49, conforme dados públicos do tribunal. Com os descontos obrigatórios, recebeu R$ 160.273,45 líquidos.

Só a título de “vantagens eventuais”, que engloba férias acumuladas, a mulher do governador ganhou R$ 154.048,65. O salário base dela é R$ 33.689,11.

Procurado, o TJ-PE não encaminhou o detalhamento solicitado pela Folha das vantagens recebidas pela magistrada. Comunicou apenas que iria se reportar ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A manobra se deu da seguinte forma. No dia primeiro do mês passado, de acordo com o diário oficial do estado, o governador baixou um decreto em favor do TJ no qual autorizou crédito suplementar de R$ 60 milhões para pagamento de pessoal.

Sem caixa no fim do ano para pagar férias acumuladas e retroativos aos magistrados, o TJ-PE recorreu ao Governo de Pernambuco para que fosse feito um contorno nas contas com o objetivo de viabilizar o pagamento a 428 juízes e desembargadores.

Havia, no entanto, um entrave. O TJ-PE tinha R$ 60 milhões do Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário, mas, de acordo com a lei 14.989/2013, só 30% desta verba poderia ser usada para pagamento de pessoal.

Então, após tratativas com o presidente do TJ-PE, desembargador Adalberto de Melo, que acabaria recebendo R$ 331.100 líquidos em novembro, o governador sancionou, em caráter excepcional, projeto de lei que autorizava o repasse de R$ 60 milhões do tribunal para o caixa do Executivo.

“Fica o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco autorizado, em caráter excepcional, a repassar financeiramente R$ 60 milhões ao Poder Executivo do estado de Pernambuco”, diz o artigo 1º da Lei 16.680, sancionada pelo governador em 1º de novembro deste ano.

No mesmo dia, esse recurso voltou ao TJ-PE em forma de suplementação orçamentária para pagamento de magistrados e servidores. Desta maneira, o TJ-PE pôde usar legalmente os 100% dos R$ 60 milhões para turbinar o rendimento de juízes e desembargadores.

Na prática, o decreto, com efeitos retroativos a 1 de outubro de 2019, injetou R$ 60 milhões no TJ-PE em 1º de novembro de 2019, mesmo mês em que as férias acumuladas aparecem creditadas no portal da transparência da corte. Esse tipo de manobra é legal.

“Fica aberto ao orçamento fiscal do Estado, relativo ao exercício de 2019, em favor do Tribunal de Justiça de Pernambuco, crédito suplementar no valor de R$ 60 milhões, destinado ao reforço de dotação orçamentária”, diz o decreto 48.191, assinado por Câmara.

Na ementa, o governador considera “a necessidade de reforçar a dotação orçamentária insuficiente para atender despesas com pessoal do Poder Judiciário, não implicando acréscimo ao orçamento vigente, uma vez que os recursos serão deduzidos de dotação disponível.”

Em nota, o Governo de Pernambuco afirmou que não realiza manobras contábeis e disse que os remanejamentos de recursos entre finalidades orçamentárias são ações normais ao final de todo ano fiscal.

“Por lei, precisam ser solicitados ao Executivo e também aprovados pelo Poder Legislativo, como foi o caso citado. O Tribunal de Justiça de Pernambuco tem autonomia constitucional para definir o destino dos recursos que compõem o seu duodécimo.”

Questionada sobre o benefício à primeira-dama, o governo não se manifestou.

Na última quarta-feira (11), reportagem da Folha revelou que férias acumuladas haviam turbinado rendimentos de desembargadores e juízes. No dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes (STF) escreveu em uma rede social que “os tribunais e o CNJ devem estar atentos a essas práticas abusivas”.

O detalhamento dos pagamentos feitos pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco em novembro deste ano aponta que desembargadores e juízes, após resolução editada pela própria corte com aprovação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), receberam até 23 férias acumuladas de uma vez só.

O desembargador Fausto Campos, por exemplo, obteve remuneração líquida de R$ 695.742,49, conforme a folha de pagamento do mês passado.

Os dados públicos do tribunal indicam que ele contabilizou R$ 714.137,96 a título de “vantagens eventuais”, que engloba o pagamento das férias não gozadas. É o maior valor entre os 53 desembargadores incluídos na lista de pagamento.

Somando todos os períodos, o magistrado ganhou valores reajustados referentes a 534 dias de férias —referentes a períodos variados de 1994 a 2019.

Todos os magistrados, além dos dois recessos em junho e dezembro, têm direito anualmente a duas férias de 30 dias cada.

O presidente do TJ-PE, desembargador Adalberto de Oliveira Melo, responsável pela resolução do tribunal para pagamento das férias acumuladas, foi o 20º magistrado com maior rendimento. Ele recebeu R$ 331.100 líquidos em novembro.

Os dados oficiais apontam que ele ganhou nos mês passado acumulados referentes a sete períodos, totalizando 165 dias desde 2009.

?De toda a folha de pagamento do tribunal pernambucano, que engloba servidores, juízes e desembargadores, a campeão é a juíza Marylusia Pereira Feitosa de Araújo. O rendimento bruto em novembro da magistrada, que atua na vara de violência contra a mulher, no Recife, foi de R$ 1.298.550,56.

De acordo com dados do TJ-PE, ela recebeu R$ 1.251.328,5 apenas de “vantagens eventuais”. O salário-base dela é R$ 33.689,11. O tribunal informou que ela ficou afastada das funções e foi reintegrada por meio de um mandado de segurança. Desta maneira, a corte teve que pagar a Marylusia Pereira Feitosa de Araújo valores retroativos por força da lei.

O motivo do afastamento e os detalhes do pagamento não foram informados. A Folha apurou que ela foi afastada após denúncias de irregularidades que constavam em um relatório da Polícia Militar de Pernambuco.

?Em nota, o TJ-PE alega que, de maneira geral, a alta significativa registrada ocorre em razão do pagamento de férias acumuladas. A média dos valores recebidos por 53 desembargadores incluídos na folha de pagamento do mês passado, já com os descontos obrigatórios, é de R$ 206.411.

O tribunal afirmou que a maioria dos juízes e desembargadores acumula mais de dois períodos de férias não gozadas. Em alguns casos, esse acúmulo chega a dez ou 12 períodos, a depender das funções que exerçam perante a corte.

O TJ ressaltou que não criou nenhum novo auxílio e nenhuma nova remuneração. “Não aumentou salários e não criou nada de ilegal. O tribunal decidiu indenizar o período de férias acumuladas pelos magistrados com base na legislação em vigor e autorizado por lei e pelo CNJ.”

A corte comunicou que autorizou o pagamento em razão de não existir prejuízo aos cofres públicos e ter orçamento para a execução.

Um comentário sobre “Manobra de governador assegurou remuneração extra para sua mulher e demais juízes em PE

  1. O que dizer de tamanha indecência? Sustentar marajás dos três poderes é recorrente na republiqueta de bananas. Acredito q em breve o ” boi voador “de Nassau vai aparecer na folha requerendo férias acumuladas do tjpe!!! Por essas e outras o Brasil não é levado a sério em Pais algum do mundo civilizado. Vou fazer concurso p/ o judiciário!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *