A ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon considera “um verdadeiro absurdo” o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, requerer ao Banco Central o acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos últimos três anos.
“No bojo de um inquérito sem pé e sem cabeça, ele determina ao Coaf a entrega de dados fiscais de mais de 600 mil pessoas. Será que têm 600 mil indiciados no inquérito estapafúrdio? Na verdade, parece que ele quer ter todas as pessoas sob seu controle”, afirma.(*)
Em 2011, ela foi alvo de queixa-crime oferecida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). As entidades sustentaram ter havido quebra ilegal de sigilo bancário e fiscal, quando o Conselho Nacional de Justiça usou dados do Coaf ao fazer inspeção nas folhas de pagamento e declarações de renda de magistrados e servidores de tribunais.
O objetivo era apurar as suspeitas de incompatibilidade entre os rendimentos e o patrimônio de 62 juízes.
A Procuradoria Geral da República entendeu que não houve quebra de sigilo, tendo arquivado a representação criminal.
Ao comparar os dois episódios, Eliana Calmon diz estranhar o silêncio da magistratura em relação à devassa de Toffoli: “Ninguém diz nada e o Supremo avança, sem limite e sem pudor. Até onde irá? Ninguém sabe”.
“O CNJ era órgão de investigação, mas os tribunais não aceitavam o acesso às anotações do Coaf, ao argumento de que só com autorização judicial era possível trabalhar com dados fiscais”, diz a ex-corregedora.
Em fevereiro de 2012, o então procurador-geral, Roberto Gurgel, afirmou que os dados divulgados “não contêm a identificação de magistrados e servidores que eventualmente realizaram operações qualificadas de atípicas’.
Ajufe, AMB e Anamatra haviam impetrado mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar, para suspender as investigações da corregedoria com dados do Coaf.
Em nota pública, os três presidentes à época, respectivamente, Gabriel Wedy, Henrique Calandra e Renato Sant´Anna, afirmaram que a “Corregedoria Nacional de Justiça havia decidido, ao arrepio da lei, desrespeitar direito líquido e certo”.
“Tais procedimentos haviam sido implantados sem o conhecimento prévio do próprio CNJ e sem autorização judicial, desde 2009, pela Corregedoria, que, não satisfeita, passou, agora, a investigar, a partir de dados que solicitou ao Coaf, até os cônjuges e descendentes de magistrados e servidores, ou seja, de pessoas que sequer integram o Poder Judiciário, totalizando mais de 200 mil pessoas”, afirmaram.
O cargo de corregedor nacional é exercido sempre por um ministro do Superior Tribunal de Justiça.
A liminar suspendendo todas as investigações do CNJ –a começar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo–, foi concedida às 21h de 19 de dezembro, último dia do Ano Judiciário de 2011, pelo ministro Ricardo Lewandowski. O relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, não se encontrava no STF.
Posteriormente, o ministro Luiz Fux, do STF, suspendeu parcialmente a liminar que impedia a corregedoria de fazer inspeções nas folhas de pagamento e declarações de renda de magistrados e servidores de 22 tribunais, medida autorizada por Eliana Calmon.
Dez pedidos de vista feitos por integrantes do CNJ interromperam o andamento de processos que já estavam prontos para ser julgados.
Na sessão plenária do dia 4 de setembro de 2012, ela se emocionou ao ser aplaudida de pé, na despedida do cargo de corregedora nacional de Justiça.
Por Frederico Vasconcelos
Folha de São Paulo