Editorial da Folha de São Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) confirma a cada dia um pendor alarmante para prescindir do bom senso ao tratar dos mais variados assuntos. Dos palpites presidenciais não escaparam nem mesmo as taxas de Fernando de Noronha. O mandatário qualificou como roubo a cobrança, por seu próprio governo, de R$ 212 de estrangeiros e de R$ 106 de brasileiros para visitar o Parque Nacional Marinho situado no arquipélago de 21 ilhas e 17 km².
Atribuiu a essa tarifa o baixo afluxo de turistas ao Brasil. Bolsonaro se equivoca, como de hábito, em várias frentes. O pagamento da entrada, que vale por dez dias, não impediu que a visitação aumentasse 60% desde 2012. O presidente parece ainda desconhecer que o acesso é pago em outros 15 parques nacionais, como Abrolhos, Iguaçu e Itatiaia. Além disso, cobrar entrada se afigura como praxe em alguns dos monumentos naturais mais famosos do mundo, como Yosemite e Grand Canyon, nos EUA.
O dinheiro arrecadado serve para manter a infraestrutura da área de conservação, como trilhas e sua sinalização, e a segurança dos visitantes, da fauna e da flora oferecida por vigilantes e guardas florestais. A invectiva contra Fernando de Noronha talvez se encaixe noutra ordem de motivações.
O ambiente marinho, ao que parece, tornou-se um tema ingrato para o ex-deputado federal autuado por fiscais por pescar em outra área interditada para a atividade. Com seu desprezo manifesto pela preservação ambiental desse ecossistema particularmente frágil em Noronha, Bolsonaro indica desconhecer que a taxa federal não constitui a maior barreira pecuniária para manter a visitação anual no teto de 89 mil turistas previstos no plano de manejo (em 2018 foram mais de 100 mil).
Bem mais salgada é a estadual, de R$ 73,52 por um dia e R$ 5.183,78 por 30. Se ficar pelos dez facultados pelo ingresso federal, o visitante terá de desembolsar um total de R$ 626,37, além dos R$ 106 (ou R$ 212, se estrangeiro). Mesmo essa despesa alta se justifica, porque dela se originam os recursos para limpeza urbana e tratamento de mais de 200 toneladas mensais de lixo, levado para processamento no continente.
São várias as restrições em Noronha, como a proibição de voos noturnos, para não afetar o comportamento de aves, e da captura de sardinhas, usadas como iscas na pesca oceânica, vetada. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, contudo, já promete que suspenderá as interdições, atropelando as razões técnicas. O barato de Bolsonaro e Salles poderá custar caro a Noronha.