Gustavo Uribe
Folha
?É algo novo, jamais se viu nada igual na História do Brasil, seja no período da Colônia, do Império ou da República. Aliás, dificilmente pode ter acontecido algo igual até mesmo nos reinados, porque qualquer governante que tenha o mínimo de juízo sabe que precisa impedir que os filhos se intrometam nas questões de governo. No caso do presidente Jair Bolsonaro essa situação está tomando dimensões do famoso Enigma da Esfinge, na peça Édipo Rei, de Sófocles. A esfinge perguntava: “Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?”. E avisava: “Decifra-me ou te devoro”.
Mais de 400 anos antes de Cristo, apenas Édipo respondeu que se tratava do homem, que primeiro engatinha, depois anda ereto e no final da vida se apoia numa bengala. No Brasil do Século XXI, a pergunta é diferente: “O que pretende o presidente que permite aos filhos se intrometerem nos assuntos do governo?”
ENIGMA DO PLANALTO– Repetindo a estória da Esfinge de Tebas, apenas uma pessoa tem condições de resolver o enigma brasileiro. Somente o próprio Bolsonaro sabe o que pretende ao deixar que os três filhos mais velhos interfiram nas questões ligadas à Presidência da República.
O mais intrometido e complicado é o filho do meio, Carlos Bolsonaro, que o pai chama de “Zero Dois”. E ele que se manifesta com total espontaneidade, sempre com apoio incondicional de Flávio, o “Zero Um”, e de Eduardo, o “Zero Três”.
Desde o início do governo, o “Zero Dois” interfere de forma radical, e já causou a demissão de, pelo menos, dois ministros ligados diretamente chefia do Governo – o advogado Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, e o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo.
DOIS ERROS – Nas demissões de ministros, o presidente foi induzido a erros. No caso de Bebianno, um dos mais próximos amigos de Bolsonaro e que cuidava gratuitamente dos espinhosos processos contra o chefe do governo, Carlos inventou que Bebianno havia mentido sobre Bolsonaro. O chefe do governo ficou furioso e aceitou demiti-lo. Antes de fazê-lo, percebeu que era intriga, ofereceu a Bebianno uma diretoria na Itaipu Binacional ou a embaixada da Itália ou de Portugal, a escolher. Bebianno teve dignidade e não aceitou.
No caso de Santos Cruz, que controlava as verbas publicitárias e não privilegiava os amigos da família Bolsonaro, o Zero Dois armou uma situação para demiti-lo e quase deu certo. Carlos Bolsonaro chegou a comemorar, dizendo: “Implodi o general!”. Mas o pai recuou.
Algumas semanas depois, Carlos usou o “print” de um diálogo de Santos Cruz no celular, em que o general estaria tramando para derrubar Bolsonaro. O presidente o demitiu, sem dar satisfação, apesar de serem amigos desde jovens (eram vizinhos, as mulheres se revezavam ao levar as crianças à escola). Quando soube do print, Santos Cruz viu que era fraude, porque no mesmo horário estava num avião, sem acesso à internet. No lugar dele, os filhos e Bolsonaro emplacaram um amigo, o major-jurista Jorge de Oliveira.