Daniel Gullino e Jailton de Carvalho
O Globo
Celebrado nas manifestações pró-governo realizadas no último dia 26, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, deparou-se, na semana passada, com um paradoxo. Após ter conquistado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e visto a Câmara aprovar sua devolução ao Ministério da Economia, ele acabou pedindo a senadores que não tentassem reverter a decisão.
Diante do apoio popular ao ministro, senadores cogitaram fazer a mudança ao votar a Medida Provisória (MP) 870. Nesse caso, o texto teria que voltar à Câmara e a MP corria o risco de perder a validade, devido ao esgotamento do prazo para a sua votação. Com isso, a reforma administrativa feita no governo Bolsonaro iria por terra.
APRENDIZADO – Mesmo senadores que apoiam Moro reconhecem que seu recuo no caso do Coaf mostrou uma curva de aprendizado na arte da política. Dizem também que, agora, ele se mostra parte de um governo e tem aprendido que não pode agir sozinho.
É o caso de Marcos Rogério (DEM-RO), que afirma que os protestos fortaleceram o ministro, mas que isso não o exime de fazer política.
“Agora, ele é parte do governo, é parte do corpo ministerial. O ministro tinha a intenção de trazer para o Ministério da Justiça o Coaf. Mas ele, ao longo desse processo, acabou conhecendo mais da política. Na política, uma hora você ganha, uma hora você perde. Depende do ambiente, depende do momento” — avalia o senador.
NOVA REALIDADE – Para o senador Alessandro Vieira (PPS-SE), Moro está se adequando a uma nova realidade em que, apesar de dispor da simpatia das ruas, tem menos autonomia no Executivo do que tinha como juiz. “O ministro Moro está começando a ver como é difícil trabalhar no Executivo. Um magistrado tem garantias e uma autonomia que integrantes do Executivo não têm. Ele é obrigado a compor com uma equipe”.
Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, o fato de Moro ter apoiado os protestos de 26 de maio — definidos por ele como uma “festa da democracia” — marca um novo momento para seu papel no governo.
“É a indicação de que ele entrou no governo para ficar, não para passar um tempo e ir embora. Ele não é mais juiz, é ministro de Estado, faz parte de um governo” — disse Ismael.
IMPACTO POSITIVO – Auxiliares de Moro acreditam que as manifestações terão impacto positivo na tramitação do pacote anticrime e de outras propostas de interesse da pasta. A avaliação interna é a de que a voz das ruas teve forte impacto na votação da reforma administrativa no Senado.
“O ministro não pediu apoio de ninguém (no Senado). Quando viu que a proposta já estava derrotada na Câmara, entendeu que era fato consumado. Mesmo assim, alguns senadores trabalharam muito pela aprovação da medida. Claro que isso aconteceu por causa das manifestações” — disse um interlocutor próximo ao ministro.
PACOTE ANTICRIME – A expectativa é que o efeito se repita no andamento do pacote anticrime, a mais alta aposta do ministro nestes primeiros cinco meses de governo. Segundo um assessor, no entanto, as manifestações favoráveis não mudam a rotina do ministro ou da pasta. Um deles lembra que Moro conta com respaldo popular em grandes protestos de rua desde o segundo ano da Operação Lava-Jato, o que fortalece o apoio à agenda do ministério.
A última pesquisa Datafolha, de abril, mostra Moro com aprovação superior à do presidente da República: 59% avaliaram a gestão do ministro como boa ou ótima. No caso de Bolsonaro, esse porcentual foi de 32%.
A voz das redes seguiu a mesma direção. Segundo o programa de análise de dados TalkWalker, as menções ao ministro Moro tiveram um pico durante os protestos — 65% delas eram positivas. No caso de Bolsonaro, não houve aumento significativo de menções — e apenas 23% eram positivas.