Condenada em 2016 a seis anos e oito meses de prisão por corrupção passiva, a ex-juíza federal Maria Cristina de Luca Barongeno cumpre pena desde março deste ano no presídio feminino de Tremembé, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo.
A prisão no interior paulista concentra criminosos sob risco de morte em unidades prisionais padrão, como Suzane von Richthofen, condenada pela morte dos pais, e Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte de Isabella Nardoni.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia decretado a sua aposentadoria compulsória em 2009, mas ela recorreu em liberdade.
Trata-se do terceiro magistrado a cumprir pena a partir de fatos revelados pela Folha de S.Paulo desde 1999, quando a corrupção no Judiciário foi definida como uma das prioridades nas investigações jornalísticas.
Maria Cristina foi investigada na Operação Têmis, que desbaratou, em 2007, uma quadrilha de advogados e empresários que negociava a venda de sentenças para burlar o fisco. A magistrada foi acusada de receber um veículo que pertencia a um dos advogados.
Em 2016, o TRF-3 determinou a perda do cargo e a prisão dela em regime inicial semiaberto. Com isso, ela pode trabalhar durante o dia, em uma colônia agrícola, e retornar ao presídio à noite.
Dois anos depois, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu pedido para suspender a decisão do ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, que determinara o início imediato da execução provisória da pena.
O último recurso contra a prisão foi rejeitado pelo STJ em fevereiro deste ano. A partir de então, a Polícia Federal fez várias buscas nas fazendas da família dela em Mato Grosso do Sul. Um mês depois, ela se apresentou à Polícia Federal, em São Paulo.
Então titular da 23ª Vara Federal Cível, Maria Cristina havia sido denunciada sob a acusação de agir em cumplicidade com advogados -entre os quais seu pai, Joaquim Barongeno. Ela proferia sentenças favorecendo empresas com dívidas milionárias junto à Fazenda Pública e à Previdência Social.
Um advogado propunha ação, em nome de um laranja, com pedido de liminar para usar apólices da dívida pública do início do século 20, os chamados “títulos podres”, já prescritos.
Quando a ação era distribuída para a vara de Maria Cristina, ela concedia liminar, autorizando a utilização dos títulos para liquidação de débitos, suspensão de cobranças ou compensação de créditos.
Em seguida, advogados incluíam na ação empresas que passavam a se beneficiar da liminar. Com isso, obtinham certidões negativas de débito, o que lhes permitia emitir notas fiscais, para acobertar outras operações e participar de licitações públicas.
Em um dos casos, uma professora aposentada, portadora de antigas apólices da dívida pública, cedeu parte dos títulos para empresas, entre as quais o frigorífico Friboi, do Grupo JBS –dos irmãos Joesley e Wesley Batista, investigados anos depois na Lava Jato.
O pai de Maria Cristina, Joaquim Barongeno, que prestou serviços de advocacia à Friboi, também foi denunciado. A juíza não se declarou suspeita para julgar as ações da Friboi e, em 2002, concedeu liminar à empresa para usar títulos emitidos em 1932 pela “Cie. Du Chemin de Fer Victoria a Minas”, suspendendo a cobrança de tributos ou de contribuições previdenciárias da filial do frigorífico em Andradina (SP).
O prazo para resgate, nos bancos, de títulos emitidos em francos pelo governo brasileiro na França havia se esgotado em 1951. O advogado Francisco de Assis e Silva, do Grupo JBS-Friboi, afirmou à Folha, na época, que Joaquim Barongeno não era advogado da empresa nos processos na 23ª Vara Federal Cível. Ele foi excluído do processo que condenou a filha.
Outros juízes condenados Além de Maria Cristina de Luca Barongeno, dois outros juízes federais foram condenados à prisão a partir de reportagens da Folha: João Carlos da Rocha Mattos e Paulo Theotonio Costa.
O jornal antecipou investigações sobre o então juiz Rocha Mattos, que foram confirmadas em 2003, quando a Operação Anaconda desbaratou uma quadrilha que negociava sentenças judiciais. Rocha Mattos foi acusado de ser o mentor da organização.
O então juiz foi preso e condenado a 12 anos de prisão. Ficou cerca de oito anos em regime fechado, passando para prisão domiciliar em 2011. Em 2006, também foi condenado por peculato a quatro anos e seis meses de reclusão. Em 2015, foi condenado a 17 anos de prisão por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Foragido da Justiça e alvo de dois mandados de prisão, o agora ex-juiz foi preso em 2016, no seu apartamento, no centro de São Paulo. Foi transferido para o Cadeião de Pinheiros, na zona oeste.
Em 1999, a Folha revelou que o então juiz federal Paulo Theotonio Costa, do TRF-3, ostentava um patrimônio que contrastava com o padrão comum de magistrados.
Ele era proprietário da “Morada dos Pássaros”, conjunto residencial de sete prédios, e de uma fazenda, em Campo Grande (MS). Possuía imóveis na cidade de São Paulo e em um condomínio em Guarujá (SP).
Em 2008, foi condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, por corrupção passiva. Ele distribuiu para si, fraudulentamente, um recurso do Bamerindus, beneficiando o banco com a compensação parcial de créditos no valor de R$ 150 milhões.
Um advogado amigo do então juiz, Ismael Medeiros, subscreveu o recurso, tendo recebido R$ 1,5 milhão. Parte foi repassada sob a simulação de empréstimo a empresas de Theotonio Costa.
Em setembro de 2015, a Justiça Federal declarou extinta a punibilidade de Theotonio Costa, que cumprira metade da pena imposta, em regime aberto, tendo recolhido a multa aplicada.
Pelos mesmos fatos, em fevereiro deste ano, o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira, de Campo Grande, condenou Theotonio Costa a oito anos de prisão, em regime fechado, pelo crime de lavagem de dinheiro.
O juiz sustentou que os empréstimos de Ismael Medeiros “são perfeitamente legítimos e foram quitados”. Cabe recurso da decisão.
Da FOLHAPRESS