Dígitos de Mentiras Inconsistentes

 Dígitos de Mentiras Inconsistentes –   Dizem que a felicidade andava com os dígitos trocados. Tudo parecia em ordem — a harmonia dos gestos, a partitura afinada, o ritmo exato. Mas bastaram quatro criaturas vestidas de razão postiça para decretarem: era inconsistente.

Sim, elas disseram isso com naturalidade assustadora, como quem anuncia a previsão do tempo. Olhos secos de empatia, vozes revestidas de burocracia emocional, e um ar de superioridade que só os que vivem fora do amor conseguem sustentar sem escorregar. Usaram a palavra como quem define, não como quem compreende. Inconsistente, disseram, como se fosse uma categoria científica da covardia.

Mas quem as viu, de perto, percebeu: não sentem. Não vivem. Não vibram. Apenas medem. Analisam tudo com uma fita métrica emocional que só serve para apertar o que é livre e sufocar o que respira. São desalmadas por vocação. Desamadas por consequência. E como toda ausência é barulhenta, deixaram no ar não apenas o eco da recusa — mas o cheiro rançoso da mentira com selo de autenticidade.

Carregam crachás escorregadios com palavras como bom sensoéticaprudência. Mas são feitos da matéria escura do tédio. Têm receio da verdade que escapa do controle, da alegria que não se justifica, da liberdade que não pede autorização.

Determinam de inconsistente aquilo que não podiam controlar. Julgaram com régua torta o que era simplesmente vivo. E no afã de parecerem sensatas, revelaram apenas sua fragilidade crônica diante do que pulsa.

Não foi o agito que se desfez. Foram elas. Que, incapazes de acolher, preferiram carimbar o invisível com selos de noves fora nada. E assim, dia após dia, seguem sabotando o mundo com seus digitos de mentiras inconsistentes — enquanto fingem que vivem, quando tudo o que fazem é embrulhar-se.

Sim, o mundo está inconsistente. Mas não por excesso de amor, de sonho ou de coragem. Está inconsistente porque há gente demais vivendo “frio” por dentro, enquanto distribui sorrisos plásticos por fora. Gente que se recusa a soprar os instrumentos — porque não entende dos passos que a música que toca  também tem fim, um dia.