Por Magno Martins – Jornalista, poeta e escritor – Miguel de Cervantes, da obra prima Dom Quixote, disse, certa vez, que a perseverança é a mãe da boa sorte. Mas o que é sorte? Segundo o Google, sorte é uma força sem propósito, imprevisível e incontrolável. “Quem tem amor na vida, tem sorte”, diz um trecho de uma canção de Zé Ramalho. “Tem sorte quem acredita nela”, ensina outra melodia, esta de Fernando Mendes, que ouvia quando adolescente em minha Afogados da Ingazeira.
“Minha sorte está lançada”, diz um poeminha de Vinicius de Moraes, o maior de todos que se ousam a ser poetas. Já li que a sorte bate em cada porta uma vez na vida. A palavra sorte foi usada também por gênios. Estadista britânico, Winston Churchill disse que a sorte não existe. “Aquilo a que chamamos sorte é o cuidado com os pormenores”, sentenciou.
Albert Camus, escritor, filósofo, dramaturgo e ensaísta franco-argelino, nos ensinou que não ser amado é falta de sorte. “Mas não amar é a própria infelicidade”, advertiu. “A sorte sorri aos fortes”, declarou Terêncio, dramaturgo e poeta da Velha Roma. O jornalista americano Earl Wilson escreveu que sucesso é apenas uma questão de sorte. “Pergunte a qualquer fracassado”, provocou.
Relendo “O Príncipe”, de Maquiavel, a “bíblia” de todo político, descobri que a sorte é feminina e para dominá-la é preciso saber flertar e seduzi-la. Também é reconhecido que ela se deixa seduzir mais pelos amantes ousados do que por aqueles que procedem com cautela e frieza. E ensina: “A sorte, como a mulher, é sempre mais amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais ousados e impulsivos e a dominam com maior audácia e voracidade”.
E continua a ensinar: “O príncipe cauteloso, no momento em que é necessário ser impulsivo, não consegue sê-lo e por isso fracassa. Se mudasse de natureza, conforme as exigências do tempo e das coisas, não fracassaria e, assim, sua sorte não mudaria”.
Nos dias atuais, as circunstâncias mudam num piscar de olhos. Se apegar demais às conquistas e estratégias do passado, pode ocorrer um tremendo risco de ser excluído do jogo a qualquer momento. Grandes líderes que se perpetuaram na política muitas vezes não dependeram dos seus talentos, mas da sorte. “Não há fórmula mágica para o sucesso. Ideias, regras e princípios servem apenas como ferramentas, mas se não aparecer a sorte, não servem para nada”, escreveu Maquiavel.
Estudos apontam que entre 85% e 90% do que nos acontece foge completamente do nosso domínio. “Ao nascer, por exemplo, você não teve controle sobre quem seriam seus pais, o ano e o lugar em que nasceu. Se seus pais foram ou são bons, você é uma pessoa de sorte”, segundo Maquiavel. “Aquilo que conhecemos como sorte depende muito da habilidade de combinar com o nosso modo de agir com o que é exigido pelas particularidades de cada momento.
Pense assim, como ensinou Maquiavel: “Aquele que observar as particularidades do momento, e souber agir de acordo, será beneficiado por elas. Aquele que não as observar encontrará enormes problemas e será visto como desprovido de sorte. Por isso, acredito que será feliz aquele que combinar seu modo de agir com as particularidades do momento. E infeliz aquele cujas ações delas divirjam”.
Maquiavel nos ensina ainda que as pessoas sempre buscam o poder, a glória e a riqueza. “Algumas agem com precaução, outras com impetuosidade. Umas optam pela violência, outras pela astúcia. Algumas escolhem a paciência, outras a agitação, e assim por diante. E cada uma pode, a partir destes diversos modos, alcançar seus objetivos, desde que considerem ou não ignorem o fator sorte”.
Diante de tanta riqueza de ensinamentos, não reclame do barulho quando a sorte lhe bater à porta. “Com sorte, você atravessa o mundo, sem sorte você não atravessa a rua”, segundo o conceito do genial Nelson Rodrigues.