Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Era uma tarde morna, daquelas em que o vento brinca distraído entre as ruas e os pensamentos da gente.
Eu andava perdido entre compromissos e boletos, arrastando os sapatos como quem carrega o próprio cansaço nas solas. A cidade parecia cinza, mesmo sob o sol. As buzinas, os passos apressados, os rostos fechados — tudo parecia tão pesado quanto eu me sentia por dentro.
Foi então que vi.
No meio da praça, amarrada a um barbante improvisado, uma pipa dançava no céu.
Não era uma pipa comprada em loja, dessas cheias de cores impressas e desenhos de super-heróis.
Era uma pipa de papel de seda, frágil, mal recortada, com varetas tortas e um rabo comprido feito de tiras de saco plástico.
Uma pipa como aquelas que eu mesmo fazia quando tinha oito anos.
E, de repente, tudo parou.
O relógio do mundo perdeu seu tic-tac impaciente.
O barulho dos carros virou sussurro.
E eu… eu voltei.
Voltei a ser o menino de bermuda curta, descalço, de olhos brilhando de alegria ao ver sua criação ganhar o céu.
Voltei a sentir o cheiro do vento batendo no rosto, o coração disparando na hora de soltar o carretel, a risada solta sem medo de cair.
Voltei a ser aquela criança que ainda acreditava que o mundo podia ser inteiro outra vez, bastava querer.
Fiquei ali parado, feito bobo, olhando a pipa dançar com a tarde.
Em volta, algumas crianças corriam e gritavam, como se estivessem brincando não só com a pipa, mas com a própria eternidade.
Ninguém ali tinha boletos, dores de amor, contas atrasadas ou notícias tristes no jornal.
Tinham apenas o céu aberto e a liberdade colorida nas mãos.
E eu entendi.
Entendi que eu não havia perdido para sempre aquele menino.
Ele ainda morava em mim, escondido sob as gravatas, os medos e os cansaços.
Ele ainda sabia voar — só precisava ser acordado de vez em quando.
Naquela tarde, no meio da praça comum de uma cidade cansada, eu voltei a ser criança.
E foi o dia mais bonito que eu vivi em muito tempo.
Voltei para casa de passos leves, como quem traz no bolso não moedas nem recibos, mas pedaços de céu.
Porque, às vezes, a vida não pede nada além disso:
que a gente se permita ser, de novo, quem um dia fomos antes de tudo pesar.