A ameaça silenciosa do PLP 40: Quando o salário deixaria de ser do trabalhador

Projeto retirado da Câmara previa bloqueio automático de salários, uso do FGTS sem autorização e favorecia bancos às custas da autonomia financeira dos brasileiros.

  O Projeto de Lei Complementar nº 40/2024, apresentado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), prometia, em sua justificativa, estimular a concorrência entre bancos e ampliar o acesso ao crédito no Brasil. Contudo, uma leitura atenta do seu conteúdo revelava uma proposta extremamente prejudicial ao trabalhador brasileiro e profundamente favorável ao sistema financeiro.

Entre as principais mudanças sugeridas pelo PLP 40 estavam a portabilidade automática de salários, o débito automático interbancário para quitação de dívidas, a criação do chamado “crédito salário automático” e a utilização automática de parte do saldo do FGTS como garantia para empréstimos. Na prática, essas medidas transfeririam o poder de decisão sobre o salário do trabalhador para as instituições financeiras, permitindo que bancos movimentassem rendimentos e acessassem recursos pessoais de forma praticamente irrestrita.

Quem perderia com a aprovação do PLP 40 seria, de forma clara e direta, o trabalhador assalariado, principalmente aquele de menor renda. A proposta ameaçava a segurança do salário, que é, por definição constitucional, impenhorável para garantir o sustento básico da família. Ao permitir o bloqueio automático de salários e a apropriação de recursos do FGTS, o projeto colocaria milhões de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade, limitando sua capacidade de negociar dívidas e agravando o problema do superendividamento no país.

Também seriam profundamente afetados os aposentados, pensionistas e servidores públicos, categorias que, por receberem pagamentos regulares, passariam a ser alvos preferenciais das instituições financeiras. Para esses grupos, o risco seria ainda maior: perder a autonomia sobre seus recebimentos, vendo parte do benefício ser automaticamente capturado para pagamento de empréstimos, mesmo que o restante se tornasse insuficiente para suas necessidades básicas.

Os pequenos correntistas e os trabalhadores informais também figuravam entre os principais prejudicados. Sem estruturas financeiras sólidas para negociar em condições favoráveis, ficariam ainda mais expostos à lógica implacável dos bancos, podendo ter seus salários parcialmente retidos sem que houvesse espaço para negociação justa ou análise de condições humanizadas.

Em contraste, o grande beneficiado seria o sistema bancário nacional. Ao reduzir seus riscos de inadimplência com acesso automático a garantias salariais e recursos do FGTS, as instituições financeiras aumentariam seus lucros e garantiriam a segurança de suas operações de crédito. A criação de um modelo privilegiado de “bom pagador”, com juros mais baixos para poucos e taxas ainda mais altas para a maioria endividada, serviria apenas para ampliar a exclusão financeira e aprofundar a desigualdade.

Apesar do discurso oficial sobre modernização e concorrência, a intenção real do projeto parecia evidente: reforçar a posição dominante dos bancos, aumentar seus poderes sobre os trabalhadores e transformar o salário — que deveria ser protegido — em mais um ativo financeiro explorável.

A reação popular foi avassaladora. Em consulta pública promovida pela Câmara dos Deputados, 92% dos participantes se manifestaram contra o projeto. Diante da pressão, o deputado Hugo Motta solicitou a retirada do PLP 40 da tramitação, encerrando temporariamente a ameaça. No entanto, o episódio deixou claro que há interesses em curso para flexibilizar direitos historicamente conquistados e que projetos semelhantes poderão surgir sob outras formas no futuro.

O PLP 40 expôs uma dura realidade: quando se fala em “modernizar” o sistema financeiro, é preciso investigar a quem, de fato, essa modernização serve. No caso do PLP 40, não era ao trabalhador, nem à sociedade brasileira, mas ao sistema bancário, que mais uma vez tentou avançar sobre o que deveria ser inviolável — o salário, a dignidade e a sobrevivência do cidadão.