Por José Nivaldo Junior* – Consultor em comunicação, advogado, historiador, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras e autor do best-seller internacional ‘Maquiavel, O Poder’, traduzido em mais de 20 idiomas.
Rolava a posse de Trump. Ficava até difícil acompanhar. Foram tantas as medidas de impacto anunciadas, que os analistas, inclusive norte-americanos e europeus, perplexos, batiam cabeça e tinham dificuldade de formar uma opinião coerente. Nesse tumulto, toca o celular. Era o amigo Alex Azevedo. De Brasília, enxergou o óbvio que eu ainda não estava vendo. Disse algo como:”Zé, ou muito me engano ou Trump esta seguindo o roteiro de Maquiavel, confirme li no seu livro. Anunciando de uma vez tudo de ruim que pretende fazer”. Agradeci.
Puxa, como eu não havia ainda percebido.
Trump seguiu exatamente o roteiro do pensador florentino. Vamos ver. Comentando trecho de ‘O Príncipe’, digo em ‘Maquiavel, O Poder’: As crueldades bem usadas (“Se do mal for lícito falar bem”) para ele (Maquiavel) são as que se praticam pela necessidade de se chegar ao poder ou nele se firmar, mas que depois são abandonadas em troca de ações úteis para os súditos. As crueldades mal usadas são aquelas que, mesmo poucas no início, com o decorrer do tempo aumentam ao invés de se extinguiram. E agora, abrindo aspas para o próprio Nicolau Maquiavel: “Por isso é que, ao ocupar o governo, deve o conquistador exercer todas as ofensas que forem necessárias, fazendo-as todas a um só tempo para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos súbitos e conquistá-los com benefícios”.
Mais anúncios de maldades em uma posse, impossível.

O conquistador Trump
Derrotado quatro anos atrás, Trump assume o poder com ares imperiais. Cara fechada. Sem o aspecto de comemoração que costuma marcar as posses. Não festeja vitória, demarca uma retomada. Trazendo, ou fingindo trazer duas mãos e o ressentimento do mundo. As principais decisões
anunciadas estão na mídia, inclusive na edição da manhã do nosso O Poder. Com ares de manda chuva, faz um inteligente jogo duplo na política internacional. Anuncia a América para os americanos (do norte) e ao mesmo tempo trata o resto do mundo como se estivesse sob seus pés. Desafia a China. Posa de tutor da Rússia. Dá seu pitaco divergente na guerra do Oriente Médio. Despreza a Europa e insulta as Américas que não os Estados Unidos. Reafirma intenções territoriais expansionistas. Abandona unilateralmente entidades internacionais de peso. Manda recados desaforados para governos com os quais não simpatiza. Sobre o Brasil, inclusive:”Eles precisam mais de nós do que nós deles”.
Polêmicas ambientais e de comportamento
Além de se despedir do Acordo de Paris, que cuida das questões climáticas globais e tem como um dos principais objetivos reduzir a emissão de gás estufa, foi enfático ao anunciar a intenção de privilegiar combustíveis fósseis. Algo como temos a maior quantidade de Petróleo e gás do planeta e pretendemos usá-lo. Decretou emergência nacional de energia e o fim dos incentivos a carros elétricos. Acabou em uma frase o respeito à diversidade e disse que vai extinguir todos os programas relativos ao tema. Sua política é reconhecer que existem apenas dois gêneros, masculino e feminino. E todo acesso às instituições ser baseado no mérito individual. E no campo humanitário (melhor seria dizer desumanitário) declarou estado de emergência na fronteira com o México para tentar interromper a imigração ilegal. E anunciou o início imediato da devolução de milhões e milhões de “estrangeiros criminosos” para os lugares de onde vieram.
Mais ameaças
O Golfo do México será renomeado de Golfo das Américas. O canal do Panamá será retomado. Ninguém lá fala na volta à lua, assunto cada vez mais delicado porque há riscos do possível retorno deixar claro que nunca estiveram lá. Elon Musk falou no contexto da posse que os EUA estão preparando o desembarque humano em Marte.

Jogando para a plateia
Trump prometeu um sistema para proteger os empregos dos cidadãos americanos. Devolveu Cuba à lista de países patrocinadores do terrorismo.
Revogou com uma canetada 78 medidas estratégicas da política do seu antecessor. E no maior desafio até hoje à justiça americana, anunciou perdão presidencial, previsto em lei, registre-se, a cerca de 1.500 acusados pela invasão do Capitólio em janeiro de 2021. Chamou os presos de “reféns” e afirmou que não fizeram nada de errado.
Cada qual vê pelo seu lado
Para os Republicanos, Trump cumpriu promessas já feitas. Para os Democratas, um retrocesso de 30 anos. As bondades devem vir a conta gotas. Ou não, o futuro dirá. Com uma medida, umazinha só, eu, do meu canto, concordo inteiramente: a revogação de todas as formas de censura e a garantia do mais amplo direito à liberdade de expressão. Na constituição da minha alma isso é a cláusula mais pétrea e nada justifica o seu desrespeito.

Voltando a Maquiavel
Diz o autor de ‘O Príncipe’: O mal deve ser feito de uma só vez, e a bondade aos poucos. Os homens se lembram dos benefícios recentes mais do que de todo um mal infligido anteriormente.
A esperança do mundo é que a segunda parte venha aos poucos e as “maldades” anunciadas não sejam o prelúdio de uma escalada de agressões, retrocesso e imperialismo.
*José Nivaldo Junior é autor do best-seller internacional ‘Maquiavel, O Poder’, traduzido em mais de 20 idiomas.
