A democracia não depende de Lula, diz “Estadão” em editorial

O jornal O Estado de S. Paulo publicou editorial neste sábado (24.set.2022) no qual critica a tese de que para defender a democracia é necessário votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no 1º turno da disputa presidencial, em 2 de outubro de 2022.

Lula lidera todas as principais pesquisas de intenção de voto. Integrantes da cúpula do PT e o próprio candidato consideram que seria um risco haver 2º turno contra o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Entendem que poderá haver alguma ruptura institucional se o ocupante do Palácio do Planalto se recusar a entregar o cargo em caso de derrota. Por essa razão, seria necessário o chamado “voto útil” nesta eleição, em defesa da democracia. As informações são do Poder360.

Os alvos dessa campanha do “voto útil” pregado pelo PT têm sido Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Eles estão em 3º lugar empatados na corrida eleitoral, mas sem chances de vitória. Ciro respondeu duramente classificando a estratégia de “nazista”, pois se sente alvo de uma política de extermínio político. Tebet disse ver “desrespeito” dos petistas.

“A democracia não depende de Lula”, diz o título do editorial do Estadão, como o jornal de 147 anos é conhecido. “É legítimo advogar pelo voto útil, mas desqualificar intenção de voto que não seja em Lula é pouco democrático. Democracia é feita com liberdade de escolha, e não com oportunismos”.

“É cada vez mais evidente o clima de constrangimento a quem não adere ao lulismo no primeiro turno. Em vários setores da sociedade, há uma desqualificação de toda intenção de voto que não seja no candidato do PT, tratando-a não apenas como apoio à reeleição de Jair Bolsonaro, mas como uma explícita atitude antidemocrática”, explica o Estadão, dizendo como interpreta o ambiente nesta fase final da campanha presidencial.

Para o jornal, “faz parte da liberdade política a ponderação, a partir das informações trazidas pelas pesquisas de intenção de voto, entre os riscos e as oportunidades de cada escolha política”. Ainda assim, “não é legítimo –atenta contra a liberdade política– desqualificar o voto em candidatos mal posicionados nas pesquisas de opinião em razão de eventuais efeitos sobre a realização ou não de um segundo turno”.

“Diante de algumas manifestações mais recentes sobre um pretenso imperativo cívico de votar em Lula da Silva no primeiro turno, parece que o suprassumo da democracia seria a abdicação de todas as candidaturas à Presidência da República em favor do candidato petista. Ora, o regime democrático brasileiro é pluripartidário. Não há como qualificar de antidemocrático que um partido –ou um grupo deles– queira apresentar ao eleitorado uma proposta política específica, por mais minoritária que possa ser”, opina o Estadão.

Para o jornal, há muitos “argumentos legítimos para defender a realização de dois turnos”. E explica: “Se a grande questão no momento é a defesa da democracia, pode-se entender que a melhor resposta é sempre mais democracia, mais liberdade política, mais envolvimento da sociedade, e não menos”.

Embora mencione o que chama de “devaneios autoritários” de Bolsonaro, o Estadão é duro também com Lula e com o PT. “Aos que alegam a imensa excepcionalidade dos tempos atuais para defender o voto em Lula no primeiro turno, pois não seria prudente dar a Bolsonaro nenhuma chance de vitória, cabe fazer duas perguntas. Primeira: o PT defenderia o voto em algum candidato de outro partido que estivesse mais bem posicionado nas pesquisas? A julgar pelo histórico do partido, que jamais apoiou nada que não fosse petista, a resposta é não. Segunda: por que o PT, tão preocupado com as ameaças bolsonaristas à democracia, não trabalhou pelo impeachment de Bolsonaro? Ocasiões, motivos e clamor popular não faltaram. No entanto, Lula e o PT acharam que era preferível vencer Bolsonaro nas urnas. Ou seja, julgaram que manter Bolsonaro na Presidência poderia ser útil para alimentar a polarização que os petistas sabem explorar como ninguém”.

O jornal avalia que a “campanha de voto útil no primeiro turno é utilíssima aos interesses de Lula. É um modo de pedir voto – às vezes, de impor – sem dizer qual será o seu efetivo programa de governo, sem enfrentar temas difíceis como corrupção e aparelhamento partidário, sem se comprometer a não repetir os erros das gestões petistas passadas”.

“Essa tática é ainda mais perversa quando tenta demonizar outros candidatos que estão fazendo precisamente o que é mais próprio de uma campanha eleitoral em um regime democrático: apresentar suas propostas para tentar convencer o eleitorado”, conclui o editorial do Estadão.

EDITORIAL DE 2018

Quando há 4 anos a disputa presidencial afunilou para Jair Bolsonaro e Fernando Haddad (PT), o Estadão publicou um editorial em 8 de outubro de 2018 com o título “Uma escolha muito difícil”. O jornal foi criticado por optar por uma posição crítica aos 2 candidatos. Para integrantes de partidos de esquerda, o Estadão acabou, de maneira oblíqua, normalizando a candidatura de Bolsonaro –que acabou eleito.

O Estadão notava há 4 anos que, pela 1ª vez desde a redemocratização do país (em 1985) e da volta de eleições diretas para presidente, nunca o 2º turno de uma disputa presidencial havia ficado sem um político de centro:

“O segundo turno da eleição presidencial vai opor duas candidaturas que se nutriram dos antagonismos que hoje parecem predominar na sociedade brasileira, à esquerda e à direita. Pela primeira vez desde a redemocratização do País, não haverá um candidato de centro na etapa final da disputa – ou seja, o eleitor, que tradicionalmente privilegiou a moderação, a despeito do calor das campanhas, optou pelos extremos, denotando seu fastio com a política tradicional depois de anos de sucessivos escândalos”.

O jornal descrevia assim os 2 candidatos finalistas de 2018: “De um lado, o direitista Jair Bolsonaro (PSL), o truculento apologista da ditadura militar; de outro, o esquerdista Fernando Haddad (PT), o preposto de um presidiário. Não será nada fácil para o eleitor decidir-se entre um e outro”.

O editorial de 2018 do Estadão concluía sem recomendar voto em Bolsonaro nem em Haddad: “A escolha precisa recair naquele candidato que se dispuser a alcançar alguma forma de compromisso mínimo, com todas as principais forças políticas, para garantir a governabilidade e a estabilidade. Isso não significa lotear o governo pelo maior preço, mas privilegiar apoios consubstanciados em honestidade, decência e competência. E a permanente lembrança de que quem se eleger governará todo o País, e não apenas sua patota”.