ENCANTOS E DESENCANTOS. Por CLAUDEMIR GOMES

 

Por CLAUDEMIR GOMES

 Reginaldo Rossi, que era conhecido como REI DO BREGA, um dia cantou: “Recife tem encantos mil”. Isto foi há 28 anos. Rossi não imaginou que, o “pedacinho do Brasil”, que ele tratava como “um paraíso tropical”, em pouco tempo fosse ter bairros históricos, autênticos berços culturais, tão devastados, transformados em cenário de pós-guerra.

Na sua música Rossi ainda ressalta o Recife como a “Capitania que deu mais lucro”. Verdade histórica. As riquezas da Capital Pernambucana encheram muitas burras. E continuam a engordar contas bancárias. Tudo em nome da nova ordem.

Os bairros do Recife, Santo Antônio, São José e da Boa Vista são perfeitos para a criação de circuitos da miséria. O Capibaribe, mais que nunca, é um “Cão sem Plumas”, como chamou o grande, João Cabral de Melo Neto, em 1950.

O centro do Recife agoniza!

Só entende isso quem vivenciou a cidade na última metade do Século XX. Com o propósito de fazer um levantamento de preço, fiz uma breve incursão por um dos circuitos da miséria.

Estacionei o carro na Rua Diário de Pernambuco. Foi como se estivesse voltando a uma rotina vivenciada por mais de vinte anos. O choque de realidade me assustou. O comparativo entre os cenários de 40 anos atrás e o atual, nos faz sentir a faca cortando nossa própria carne. Meu destino era a Rua Camboa do Carmo. Os vários prédios abandonados no entorno da Praça da Independência – Pracinha do Diário – me fez acelerar os passos. Cruzei uma praça deserta, que fora abandonada até pelas prostitutas de quinta categoria que ali faziam ponto, contracenando com evangélicos que sempre escolhiam aquele logradouro público para fazer suas pregações.

Da calçada da Igreja de Santo Antônio contemplei todo o cenário. Lembrei do Café Nicola; do Bar Savoy; da lanchonete da Casa Matos; da Sorveteria Estoril; Da Botijinha; dos Salões Santo Antônio e Suez; do restaurante Galo Douro… Enfim, o centro da cidade pulsava, e nele encontrávamos o melhor da culinária pernambucana.

Tudo passou. Hoje o cenário é de pós-guerra!

Ao chegar na Camboa do Carmo me deparei com um exército de pessoas que, na luta pela sobrevivência, aborda todos os transeuntes para levá-los às óticas ou joalharias. Cruzei o Pátio da Igreja do Carmo e fui até o Pátio do Livramento. Retornei pela Rua Duque de Caxias. No final da incursão, já com o astral debaixo da sola do sapato, parei para tomar um café pequeno. A lanchonete fica naquele que, décadas passadas fora chamado de “Arranha Céu da Pracinha”.

Enquanto degustava um café expresso e um bolo de bacia, olhava para o acabado prédio do histórico Diário de Pernambuco. Fui torturado pelas lembranças dos tempos vividos na redação por mais de duas décadas. Não era uma redação de jornal. Aquilo lá era o local onde uma família se reunia para trabalhar. O sentimento de irmandade tornava a labuta prazerosa, e fazia com que todos chamassem o jornal de “meu”. Uma família que tinha “pais” e mestres nos orientando todo o tempo, e o tempo todo.

Ao atravessar a rua encontrei um pedacinho vivo do DP: Miro do Samba. Tão logo me avistou abriu um sorriso e veio, com seu andar tropego, me dar um abraço.

“Eu sou a lenda viva desse pedaço de chão!”, disse o velho Miro com um orgulho que me emocionou. Acho que Miro é o único guardador de carro, no mundo, que nunca aprendeu a dirigir.

Como pode uma pessoa encontrar alegria em meio a tanta devastação?

A indagação ecoou mais do que qualquer som emitido pela bigorna quando das marteladas do ferreiro.

“Miro é poesia”, sintetizou o mestre Humberto Araújo, que assim como eu, e muitos outros jornalistas, vivenciou o Recife dos Encantos Mil, como cantou o Rossi.