Carlos Newton
Imagine uma situação: você é dono de um mercado, e a manteiga está em falta. Procurou no Brasil inteiro, mas não acha. Percebendo que será obrigado a importar, você procura fornecedores e encontra dois que entregam manteiga exatamente da mesma qualidade: um é boliviano, e cobra 6 reais o pote. O outro, dos Estados Unidos, cobra 27 reais o pote.
Por mais que você confie no norte-americano, e prefira manter “amizades” com ele, nesse nível de diferença não tem muita conversa. Obviamente você negocia com o boliviano. Ainda mais se ele é um fornecedor de longa data, há mais de 10 anos. Embora isso também traga uma história às vezes conflituosa, vá lá que seja, o preço é mais de 4 vezes menor!
OUTRA REFLEXÃO – Imagine, no entanto, que você detém uma posição no mercado que lhe permite impor o preço “internacional”, que você mesmo define qual é: neste caso você poderia indiscriminadamente escolher qualquer fonte de manteiga e cobrar do cliente, e o azar é dele, como se dizia antigamente.
Poderia ser questionada a moralidade do ato, ou até mesmo a legalidade (abuso do poder econômico) se você comprasse muito mais manteiga de 27 reais do que a de 6, e empurrasse essa média artificial de preços altos para seus cliente fiéis (e cativos).
Pois essa é exatamente a situação em que está o mercado de gás natural no Brasil.
TUDO ERRADO – Ante a opção de importação do gás da Bolívia, até 4,5 vezes mais barato, a Petrobras efetuou a importação do gás natural norte- americano, muito mais caro, e os sacrificados consumidores brasileiros arcam com esse peso em seu orçamento devido ao Preço de Paridade Internacional aplicado também ao gás.
O fato do Brasil ter essa opção entre o gás boliviano e norte- americano (ou de qualquer outro lugar do além-mar) é fruto de um planejamento muitas vezes desconhecido dos brasileiros, e de dar inveja aos alemães. Os brasileiros construíram o gasoduto Brasil-Bolívia para ter acesso barato ao gás mas, para não ficar à mercê do governo vizinho, construíram também toda uma infra estrutura para recebimento do gás natural liquefeito por navios.
A Alemanha, por sua vez confiou demais nos gasodutos russos e deixou os terminais de regaseificação para depois (um depois que até hoje não chegou – e deu no que deu).
ALEMANHA RESISTIU – Os norte-americanos forçaram a Alemanha a embargar o uso da rota via gasoduto russo duplicada pelo norte, concluída já em setembro de 2021 (seis meses antes da guerra da Ucrânia), achando que a Alemanha seria um destino bom para o gás exportado pelos EUA.
No entanto, a Alemanha não tinha nem a infraestrutura para receber o gás pelo mar, nem a vontade de pagar quatro vezes mais caro, e ficou em cima do muro, mantendo as compras de gás russo, como faz até hoje, agora em rublos.
Mas o embargo do novo gasoduto gerou prejuízo de dezenas de bilhões de dólares aos russos e certamente contribuiu para o início da guerra.
ENFIM, UM CLIENTE! – O caríssimo produto norte-americano, no entanto, não ficou sem cliente, pois logo achou os portos do Brasil prontos para receber o luxuoso gás sobreprecificado, afinal de contas, o rico povo brasileiro pode pagar essa conta salgada para ajudar os irmãos do Norte.
Por outro lado, as importações de gás baratinho da Bolívia, que já chegaram a 33 milhões de metros cúbicos por dia, estacionaram há anos entre 18 e 20 milhões de metros cúbicos, apesar da calamidade dos preços atuais do gás norte-americano.
As duas fontes de importação sempre haviam sido usadas com lógica, com maiores volumes vindo da origem mais barata. Mas quem espera lógica quando se pode atender a caprichos ideológicos, passando a conta aos incautos consumidores sob o nome de Preço de Paridade Internacional?
DIZ O MINISTÉRIO – Há mais de um ano que a importação de gás natural liquefeito dos EUA é feita a preços muito superiores ao gás boliviano, conforme consta no relatório do próprio Ministério de Minas e Energia.
Entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, a diferença de preços foi da ordem de quatro vezes. E quem paga a conta artificialmente salgada é o brasileiro que é obrigado a comprar esse gás norte-americano superfaturado e tem cada vez mais dificuldades para alimentar a família.
E ainda há quem defenda essa criminosa política do Preço de Paridade Internacional, que o trêfego americanófilo tucano Pedro Parente adotou no governo Temer logo após assumir a presidência da Petrobrás, abrindo uma vereda para a corrupção internacional, e até agora ninguém teve coragem de revogar.