Objetivo de Putin não é tomar a Ucrânia: ele quer limitar a interferência dos EUA na Europa 

Joe Biden and Vladimir Putin to hold talks amid Ukraine tensions, issues  settled - The Post Reader

A nova “guerra-fria” avança, devido ao problema da Ucrânia

Fiona Hill
The New York Times

“George, você precisa entender que a Ucrânia não é um país.” Estas foram as palavras de Vladimir Putin ao presidente George W. Bush em Bucareste, na cúpula da Otan, em 2008. Ele estava furioso. A Otan havia anunciado que Ucrânia e Geórgia seriam aceitas na aliança – uma promessa explícita, mas sem cronograma específico.

Na época, eu era oficial de inteligência e alertei que Putin veria o fato como provocação. Mas os avisos foram em vão. Quatro meses depois, a Rússia invadiu a Geórgia – e a Ucrânia recuou da adesão à Otan. Mas, em 2014, os ucranianos quiseram assinar um acordo com a União Europeia e Moscou atacou de novo. Acusando Kiev de querer entrar na Otan pela porta dos fundos, os russos anexaram a Crimeia e promoveram uma guerra na região de Donbas, leste da Ucrânia.

OBJETIVO MAIOR – As reações silenciosas encorajaram Putin. Agora, seu objetivo é maior – ele quer expulsar os EUA da Europa. Após mais de duas décadas analisando Putin, está claro que suas ações são intencionais. Ele quer dar aos EUA o mesmo remédio que a Rússia teve de engolir após o colapso da União Soviética. Putin acredita que os americanos estejam na mesma situação: enfraquecidos internamente e em retirada no exterior.

A Ucrânia é alvo da Rússia e fonte de influência sobre os EUA. Nos últimos meses, Putin colocou o presidente Joe Biden na defensiva: moveu forças para a fronteira, lançou jogos de guerra e agravou a crise.

Ele exigiu garantias de que a Ucrânia e outras ex-repúblicas da URSS nunca se tornarão membros da Otan e quer a retirada de suas forças das posições ocupadas após 1997.

NOVA CRISE DOS MÍSSEIS – Durante semanas, os americanos tentaram entender essas exigências. A Rússia estava não só desafiando a posição dos EUA na Europa, mas levantando questões sobre as bases do país no Japão e seu papel no Pacífico. Moscou deu a entender que poderia enviar mísseis para Cuba e Venezuela, revivendo a crise dos mísseis dos anos 60.

Putin é um mestre da indução coercitiva. Ele fabrica uma crise para vencer, não importa o que os outros façam. Ameaças e promessas são a mesma coisa.

Ele pode invadir a Ucrânia, deixar as coisas como estão ou apenas consolidar o território que já controla na Crimeia. Ele pode causar problemas no Japão e enviar mísseis a Cuba, dependendo do que acontecer na Europa.

XEQUE-MATE – Putin tem os EUA onde queria. Ao contrário de Biden, ele não precisa se preocupar com eleições, com a reação de seu partido, da oposição, com imprensa ou pesquisas. Ele faz o que quer, quando quer. Salvo problemas de saúde, os EUA terão de lidar com ele nos próximos anos.

Sair da crise atual requer ação, não reação. Os EUA precisam moldar a resposta diplomática e ditar os seus termos. É preciso mostrar a Putin que ele enfrentará resistência e riscos. Ao contrário da premissa de que a Ucrânia “não é um país de verdade”, ela é membro da ONU desde 1991.

Um ataque russo desafiaria o sistema internacional e colocaria em risco os arranjos que garantiram a soberania dos Estados desde a 2ª Guerra – como a invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990.

FRENTE AMPLA –  Os EUA devem levar a questão às Nações Unidas e colocá-la perante a Assembleia-Geral e o Conselho de Segurança. Mesmo que a Rússia bloqueie uma resolução, o futuro da Ucrânia merece uma resposta global. Os EUA também deveriam recorrer a outras instituições regionais. Por que a Rússia tenta levar suas disputas na Europa para a Ásia e as Américas? O que a Ucrânia tem a ver com Japão, Cuba e Venezuela?

Biden prometeu que a Rússia “pagará um alto preço” se invadir a Ucrânia. Se não houver punição, o ataque abrirá um precedente para outros países. Forjar uma frente ampla com aliados europeus e apoio internacional deve ser a resposta certa. Caso contrário, esta saga poderia de fato marcar o fim da presença militar dos EUA na Europa.

(Fiona Hill é ex-analista de inteligência dos EUA especializada em Rússia)