Esvaziamento do Centro do Recife fez a cidade perder também o sabor de seus melhores restaurantes. Por Fernando Castilho

Por Fernando Castilho – Jornal do Commercio
Pense um pouco e responda: para onde iria se quisesse comer um bacalhau na Adega da Mouraria? Ou uma dobradinha no OK. Um cabrito forno no Galo d’Ouro? Um legítimo parmegiana na Cantina Bela Trieste. Ou, quem sabe, experimentar de tudo um pouco no Buraco de Otília?

Todos esses restaurantes fazem parte da memória gustativa do Recife, considerado o terceiro maior polo gastronômico do Brasil, e que abrigou nos seus bairros mais antigos dezenas de restaurantes que se tornaram referência de boa comida, dos quais apenas o Leite, na Praça Joaquim Nabuco, resiste ao tempo com sua cozinha impecável e sua Cartola, a inigualável combinação de queijo de manteiga com banana prata, precisamente assados e temperados com canela.

O centro do Recife, que experimenta suas primeiras experiências de retrofit de imóveis comerciais adaptados para residências, já abrigou dezenas de restaurantes de alta qualidade quando funcionou como centro econômico do Estado, cuja tradição de bom garfo sustentou o negócio de restaurantes de qualidade acessíveis a pé nos bairros do Recife Antigo.

Era ali que se destacavam o Restaurante OK, na esquina da Rua Mariz e Barros com a Avenida Marquês do Recife, pela sua dobradinha servida numa generosa porção em tigela de barro e o Gambrinu’s, no térreo do Edifício Chanteclair, na Avenida Marquês do Recife, pelo seu filet ao chateaubriand.

Bastava atravessar a ponte para a Rua Ulhôa Cintra, próximo à Avenida Dantas Barreto, para conhecer a variedade da cozinha portuguesa do Adega da Mouraria com chouriço, um embutido defumado, típico da culinária portuguesa.

Claro que o Leite já era a estrela do bairro de Santo Antônio, mas a competição era grande porque além dele existiam a Portuguesa, na Rua Diário de Pernambuco, preferida pelos jornalistas do Jornal do Commercio e do DP, assim como o Galo D’Ouro, ambos com a cozinha portuguesa, cuja referência são os pratos à base de Bacalhau.

Galo D’Ouro e Leite sempre foram a casa de pasto de executivos e empresários. Primeiro pela qualidade. Segundo, pelo preço nos cardápios. Mas é preciso lembrar que a Rua Nova e a Rua da Concórdia abrigam dezenas de sedes e diretorias de bancos, entre eles o Banorte e o Econômicos, Mercantil, além da Caixa Econômica, cuja sede regional era na Avenida Guararapes, próximo à primeira loja da Casa dos Frios, de onde saíam nossos Bolo de Rolo.

O que ficou na memória dos pernambucanos é que o Recife abrigou restaurantes regionais icônicos, como o Buraco de Otília na Rua da Aurora, famoso pelo seu “De tudo um pouco”, um menu degustação de oito pratos como sarapatel, galinha cabidela e linguiça, que resumia seu cardápio e fartava turistas e pernambucanos.

Cartola – NE10

Os italianos sempre estiveram muito bem representados na Boa Vista, com a famosa Casa D’Italia na Rua João Fernandes Viera, cuja estrela do cardápio era o filet a parmegiana, que competia com a Cantina Bella Trieste, também na Boa Vista, e o Torre de Londres, incrustrado no Parque 13 de Maio, e demolido pela prefeitura na reforma da praça na década de 70. Era ponto de encontro dos deputados e vereadores pelo seu cardápio aberto de cozinha internacional.

Restaurante O Buraco de Otília funcionou na Rua da Aurora – Arquivo

O Recife também abrigou importantes restaurantes em seus hotéis do Centro. O Grande Hotel, cujo prédio abriga o Fórum Tomaz de Aquino, tinha seu restaurante aberto no primeiro andar e de frente ao rio Capibaribe, cujo filet ao molho madeira servido com entrada de sopa de cebola ou uma fatia de melão com presunto era o preferido nas reuniões do Clube de Diretores Lojistas às terças-feiras, onde muitos jornalistas iam para “filar a boia” de graça a convite dos empresários.

A lista de restaurantes que fizeram história no Recife é muito grande porque refletiam basicamente a força econômica dos bairros do Recife Antigo, por abrigar o Porto do Recife, o bairro de São José e Santo Antônio pelo comércio e bancos e a Boa Vista por ser a extensão dessa expressão econômica combinada com bairros residenciais de luxo como Graças e Espinheiro.

Também é importante observar que essa concentração dos nomes aos quais devem se somar a Adega do Bocage, o Ofir e os restaurantes da Associação de Imprensa de Pernambuco, na Avenida Dantas Barreto, e da Casa da Indústria (Fiepe), na Avenida Cruza Cabugá, está relacionada ao poder aquisitivo dos clientes e a tradição pernambucana de uma boa mesa e tradição gastronômica de origem portuguesa. Embora o centro do Recife ancorasse a maioria deles.

E essa amplitude de bons restaurantes se espalhava não só pelo bairro da Boa Vista, mas por Boa Viagem e toda a Zona Sul, onde havia pelo menos duas dezenas de restaurantes de reconhecida cozinha regional, nacional e internacional.

A Avenida Conde da Boa Vista foi durante mais de 40 anos a sede da Cantina Star, que funcionava até as 2h, e conhecida pela sua insuperável Língua ao Molho Madeira.

Bem como Mustang, no Edifício Amassador, vizinho ao Shopping Boa Vista, conhecido por seu Filet ao Antônio Arraes, e que se resumia a um bem passado filet alto com batatas fritas e um ovo estrelado.

A Avenida Boa Viagem, por exemplo, abrigou restaurantes como O Veleiro, Lobster e Cote D’Azur e o Le Bretainne. No bairro também existiu o Costa do Sol e o Barril e, é claro, Castelinho, que hoje abriga duas torres residenciais com o mesmo nome.