Hélio Schwartsman
Folha
Todo mundo mente um pouco, e políticos mentem mais. Mas há mentiras e mentiras. Há as, digamos, lavadas e as deslavadas. As lavadas são aquelas que o eleitor de alguma forma espera. É quase uma instituição candidatos rebuscarem o discurso sobre seus feitos pretéritos e exagerarem nas promessas de campanha. As deslavadas são mais perigosas. Elas às vezes se chocam com a realidade de uma forma que complicam o futuro do político que as proferiu.
Isso pode estar acontecendo agora no Reino Unido. Os defensores do Brexit juraram durante a campanha que o divórcio da União Europeia não apenas não lhes causaria dor como ainda lhes renderia dividendos econômicos que permitiriam investir 350 milhões de libras por semana no sistema de saúde. É claro que isso nunca foi verdade.
PREJUÍZO COLOSSAL – Pelas melhores estimativas, o Reino Unido havia, até o final de 2019, perdido com o Brexit algo entre 20 bilhões e 40 bilhões de libras, um prejuízo semanal de 400 milhões a 800 milhões de libras.
A história do dinheiro para o sistema de saúde, porém, estava entre as mentiras que o eleitor espera —tanto que não levou a grandes cobranças mesmo quando ficou claro que as verbas não se materializariam.
A coisa muda de figura agora que itens básicos desapareceram dos postos de venda, entre outras razões porque faltam caminhoneiros. Isso afeta a vida do cidadão, que se sente traído. Não ajuda muito o fato de as autoridades negarem que o desabastecimento tenha sido causado pelo Brexit, mas tentarem resolver a crise concedendo vistos de emergência para caminhoneiros estrangeiros.
NÃO É TÃO SIMPLES – Eu adoraria concluir afirmando que a realidade sempre cobra seu preço e os mentirosos saem desmascarados, mas, infelizmente, não é tão simples.
No mundo político, só algumas inverdades geram problemas para seus proponentes, e mesmo assim sempre lhes resta uma fatia de apoiadores que acredita em qualquer desculpa e tudo perdoa.