Luiz Roberto Nascimento Silva
O Globo
A criminalidade financeira foi tema de minha dissertação de mestrado na UFRJ. Qual seria a diferença entre o crime praticado por alguém que assalta o caixa de uma mercearia e o praticado por outro, que, com o uso hábil de uma caneta, assalta igualmente o bolso de vários incautos investidores? De forma reduzida e simplificada, vemos assim a diferença entre o crime do colarinho branco e o blue collar.
Isso retorna à minha mente com a história recente do ex-garçom de vida simples que em seis anos movimentou 38 bilhões de reais num esquema de pirâmide com criptomoedas, deixando um rastro de lesados desesperados. É enredo para a Netflix.
DE UM PARA OUTRO – Pirâmide financeira não é novidade. Sua lógica é simples. Monta-se um esquema artificioso pelo qual o dinheiro de Pedro é usado para pagar juros maiores a Paulo, capta-se mais dinheiro com Maria, que será emprestado para Antônia, e assim segue até quando as pessoas desconfiam, e a roda da fortuna desmonta. Os exemplos mais famosos são de Ponzi na década de 20 e recentemente de Maddoff, ambos nos EUA.
O crime faz parte da natureza humana. Assim, ele se adapta às novas realidades. Nesse episódio de Cabo Frio, a novidade é a criptomoeda. A moeda sempre foi uma ficção. O homem atribuiu valor de troca para as mais diferentes coisas. No início, era o gado. Depois, essa função foi transferida para as moedas cunhadas em prata e ouro. A emissão do papel moeda por um governo foi invenção americana surgida na dramaticidade da Guerra Civil.
As criptomoedas são digitais num mundo crescentemente digital. Foi gigantesco o crescimento dos bancos digitais, sem agências físicas, nos quais o cliente comunica-se remotamente com seus gestores. Denominou-se “desbancarização” a esse processo, através do qual algumas dessas instituições tornaram-se maiores do que bancos tradicionais. Os governos de todo o mundo adotam moedas digitais, como fizemos com o recente Pix. Não há caminho de volta.
FORA DE CONTROLE – O problema com as criptomoedas não é serem digitais. Até aí, tudo bem. A questão fica complicada quando se sabe que elas funcionam fora do radar do controle das autoridades monetárias. Operam no anonimato.
Transitam no mundo bilhões de recursos sobre os quais não se sabe a origem e que muitas vezes ingressam depois no mundo formal, adquirindo bens e negócios concretos, concorrendo de forma desleal com os segmentos econômicos tributados. Economias mundiais de regimes fiscais rígidos com enorme pressão fiscal, como é o nosso caso, possuem paradoxalmente rios de liquidez correndo ao lado da formalidade.
O crime cibernético, subproduto da revolução digital, consome bilhões de dólares das empresas para sua proteção. São recentes e conhecidos os resgates pagos em criptomoedas em todo o mundo, como o que ocorreu com uma brasileira líder mundial no setor de alimentos.
HACKERS EM AÇÃO – Um grande grupo de medicina diagnóstica teve seu sistema invadido, e o tempo que ficou sem funcionar impactou seu balanço. Uma poderosa varejista passou por intenso ataque.
Os hackers evoluíram na pandemia. O crime compensa até agora porque ninguém é preso, rastreado ou perseguido pelos governos, também não há imposto, pois o resgate é pago em bitcoins.
Para enfrentar essa nova criminalidade, precisamos de uma polícia especializada, cujos integrantes sejam uma mistura de Sherlock Holmes com Alan Turing.