Por Claudemir Gomes
Ao reler algumas crônicas do mestre Nelson Rodrigues – A Cabra Vadia –, me chamou a atenção a observação feita pelo autor em “Solidão Negra”, publicada no Globo, em 28/08/69: “Há um momento, porém, em que o futebol passa a ser a paixão unânime. É quando está em cena o escrete. Mesmo os que nunca viram uma bola entendem que o escrete é a pátria em calções e chuteiras, a dar botinadas em todas as direções”.
Evidente que Nelson se refere a uma realidade com mais de meio século. O mundo mudou e nossa pátria já não se mostra tão embriagada pelas alegres chuteiras coloridas. A constatação é feita pela forma, quase despercebida, desta pandêmica edição da Copa América, cuja final põe em confronto, neste sábado, as duas forças do continente Sul-Americano: Brasil e Argentina.
Alexandre Malta me envia uma mensagem na qual externa sua preocupação sobre “um futuro tenebroso” do futebol brasileiro. E cita algumas causas que, no seu entendimento, são vitais para o desaparecimento da “pátria de chuteiras”.
O mestre, Arthur Carvalho, no seu artigo – Professores e Cultura – com muita sapiência, traça um paralelo entre o atual futebol europeu e o brasileiro, e ressalta a falta de educação dos profissionais que habitam os campos verdes e amarelos, como um fator dilacerante do espetáculo. As agressões aos árbitros feitas por jogadores, treinadores e membros de comissões técnicas que sentam no banco dos reservas; simulações, pantomimas, enfim, uma série de atitudes e ações que só servem para denegrir o futebol.
Durante a partida – Inglaterra 2×1 Dinamarca – uma das semifinais da Eurocopa, o comentarista, Paulo Vinícius Coelho (PVC), destacou o bom futebol apresentado pelo time inglês, como sendo o produto de “trinta anos de Premier League, onde se observa a maior miscigenação do futebol mundial”.
Vários fatores contribuem para a supremacia da Europa sobre a América do Sul, continente com o qual sempre rivalizou no futebol. O poder econômico é um dos principais. As grandes potências europeias importam os melhores jogadores de todos os continentes, formam elencos que dão inveja a maioria das seleções de dezenas de países. A gestão, a forma de tratar o futebol como um grande negócio, preservando a qualidade do espetáculo, para atrair público e investidores, está anos a nossa frente.
O futebol brasileiro segue com seu solo fértil, mas os bons frutos, de imediato são importados. A seleção da Itália, uma das finalistas da Eurocopa, tem três brasileiros em seu elenco. Os grandes clubes europeus são recheados de jogadores brasileiros. Há 50 anos, época da “Pátria de Chuteiras” todos os jogadores do escrete atuavam em clubes brasileiros. O inverso do momento atual. Nenhum jogador evolui jogando ao lado de companheiros de nível técnico inferior. Eis o segredo da evolução do futebol.
Com muitos anos de atraso, e com relativa timidez, os clubes brasileiros deram início a um processo de importação de talentos: jogadores e treinadores. Na maioria sul-americanos, mas representa o primeiro passo para se sair da mesmice. O futebol também precisa acatar as imposições da nova ordem.
Se nada acontece vamos ficar observando o crescimento desta distância, que já é abissal, entre Eurocopa e Copa América.