Mais do que interpretar, ler é compreender a mensagem que estes sinais nos transmitem
Por Adriano Angelo de Oliveira
Paulo Freire, falando sobre leitura diz: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra […] A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço – O sítio das avencas de minha mãe, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, de pé, andei, falei. Na verdade aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os ‘textos’, as ‘palavras’ as ‘letras’, daquele contexto […] e encarnavam numa série de coisas, de objetos de sinais, cuja compreensão eu ia aprendendo no meu trato com eles, nas minhas relações com meus irmão mais velhos e com meus pais […]. A decifração da palavra fluía naturalmente da ‘leitura’ do mundo particular […]. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi meu quadro negro; gravetos o meu ‘giz’”.
Comumente se acredita que ler é a habilidade de interpretar os sinais gráficos convencionados da língua falada. Mas não é apenas isso. Mais do que interpretar, ler é compreender a mensagem que estes sinais nos transmitem. Moacir Gadotti diz: “ler é ver o que está escrito, interpretar por meio da leitura, decifrar, compreender o que está escondido por um sinal exterior, descobrir, tomar conhecimento do texto da leitura. Todas estas definições, finalmente, implicam na existência de um leitor, de um código e de um autor”.
Se for parar para pensar, vemos que o mundo lê desde o momento em que abre os olhos, de manhã. O relógio diz se é tarde ou é se cedo para os compromissos do dia. Pela cara do tempo a gente pode avaliar se o dia vai ser de tempo bom ou se vai ser preciso agasalho. Tudo isso é leitura, e prosseguimos lendo o dia inteiro, a vida inteira, sem nos darmos conta. E da realidade cotidiana nasce, naturalmente, o conhecimento do mundo das palavras e das frases escritas. A leitura é um dado cultural: o homem poderia viver sem ela e, durante séculos foi exatamente isso o que aconteceu.
No entanto, depois que a história foi contada através de sinais, a humanidade, sem dúvida, se enriqueceu. Surgiu a possibilidade de guardar o conhecimento adquirido e transmiti-lo às novas gerações. No dicionário, encontramos mais alguns significados para a palavra ler: “percorrer com a vista ao que está escrito, proferindo ou não as palavras, mas conhecendo-as”; “decifrar e interpretar o sentido de”, e assim por diante. Procurou-se também a palavra texto, que vêm do latin “textos”, que significa “tecido”, “trama”, “encadeamento de uma narração”.
Um texto é, portanto, algo acabado, uma obra tecida, um complexo harmonioso. Essa é a primeira conotação do que é texto. Dessa forma já temos o texto. Vamos ter o leitor. E do encontro ao leitor e texto teremos a leitura. Quais os pontos básicos que devem ser considerados para que se produza a verdadeira compreensão do texto, a verdadeira leitura? Da mesma forma que reagimos, durante uma conversa, concordando ou discordando de quem está falando conosco, podemos também ter uma atitude semelhante com relação ao texto.
Cada vez que lemos podemos reagir à mensagem e relacioná-la com nossas experiências e conhecimentos. Podemos concordar com ela ou discordar dela. Por isso dizemos que ler, no sentido profundo do termo, é o resultado da tensão entre leitor e texto. Isto é, a comunicação que se estabelece entre o escritor que elaborou, escreveu e teve divulgado o seu pensamento, e o leitor que se interessou, leu e aprendeu o que lhe foi exposto, além de confrontá-lo com sua experiência de vida e de outras leituras.
Também por isso a leitura, atividade individual e direta, sem intermediários, é leitura verdadeira. A leitura silenciosa, que mobiliza toda a capacidade e emoção de uma pessoa é uma atividade tão satisfatória e quase tão criadora como a de escrever. Tudo isso é ler. Mas o que é hábito? Novamente de encontro ao dicionário para anotar que “hábito” é disposição duradoura, adquirida pela repetição frequente de um ato, uso, costume: “Só a educação pode criar bons hábitos”. Duas palavras saltam logo a vista: duradoura e adquirida. Não se pode, portanto, chamar de hábito de leitura um ligeiro namorico com esse ou aquele livro.
Da mesma forma, pode-se concluir que não se nasce leitor. Por isso temos que aprender a ler e a gostar de ler, se possível ao mesmo tempo. Hábitos se formam cedo, aliás, muito cedo. E o exame da realidade da família brasileira de hoje nos mostra que é muito rara a formação do hábito de ler apenas contando-se com recursos de casa. Como não se trata de um ato instintivo, mas pelo contrário, de um hábito a ser gradativamente adquirido, é preciso que se dê, desde o começo, ao iniciante da leitura o objeto a ser lido (livro, revista, jornal), respeitando o seu nível de aprendizado.
Mas depois de tudo isso, observou-se que essa expressão não realçava o aspecto mais importante da relação com o livro: a leitura como fonte de prazer, nunca uma atividade obrigatória, encarada como uma imposição do mundo adulto. Começou-se então a falar do gosto de ler, que deve ser uma experiência prazerosa. Ela deve começar cedo e a família é o agente ideal dos primeiros incentivos à criança. O adulto que embala a criança de colo com cantigas de ninar, que brinca com histórias e rimas, que folheia a revista com a criança está contribuindo e muito para uma atividade positiva diante da leitura.
Os pais, que têm eles próprios o hábito de ler e que demonstram para os filhos a necessidade desses momentos de reconhecimento e prazer, estão transmitindo à criança ou ao jovem o gosto pelos livros.