Deu em O Globo
A chegada de Joe Biden à Casa Branca, no dia 20, será um desafio e tanto para Jair Bolsonaro. Ele tem a chance de acertar, se ajustar sua política externa ao multilateralismo que Biden decerto restabelecerá no Departamento de Estado. Ou de errar mais uma vez, caso insista na visão estreita e isolacionista do nacional-populismo preconizado por seu inspirador, o derrotado Donald Trump.
A devoção de Bolsonaro a Trump — que nenhuma vantagem trouxe ao Brasil —trará doravante problemas ainda mais sérios, pois aumentará nosso isolamento no mundo.
ATENTOS AO BRASIL – Biden conhece bem o país, sabe exatamente quem é Bolsonaro e o que ele representa. Seu partido, o Democrata, tem parlamentares atentos a temas que desgostam o presidente brasileiro, como direitos humanos e meio ambiente.
No primeiro debate da campanha contra Trump, Biden citou o péssimo exemplo brasileiro na Amazônia e ameaçou o país com sanções caso a devastação continue. Também acenou com uma ajuda bilionária para o país fazer o certo no meio ambiente. Bolsonaro soltou uma de suas bravatas nacionalistas, ameaçando os Estados Unidos com “pólvora”, caso a saliva da diplomacia não fosse suficiente para convencer os americanos a não se meter.
Foi uma declaração digna da comédia “O rato que ruge”, em que o governante de um país irrelevante declara guerra aos Estados Unidos para tentar tirá-lo da bancarrota.
ARMAS E ÁRVORES – Só uma mentalidade ignorante dos caminhos da diplomacia, mais afeita aos delírios de militantes e milicianos, imaginaria usar armas para preservar árvores. Quando nem sequer o Exército brasileiro consegue defender a floresta de madeireiros e garimpeiros ilegais, fica evidente que o país precisa de cooperação internacional para criar na Amazônia atividades econômicas sustentáveis.
A gafe é ainda mais lamentável porque, queira ou não, Bolsonaro terá de se entender com os Estados Unidos. Trata-se do segundo maior parceiro comercial do Brasil, cuja influência como potência hegemônica no planeta deverá voltar a crescer na gestão Biden.
Por isso mesmo, Bolsonaro precisará de novos ministros no Itamaraty e no Meio Ambiente. Ernesto Araújo e Ricardo Salles se tornaram símbolos vivos do extremismo na política externa e na questão ambiental. O primeiro, notável pelo delírio ideológico que tem estraçalhado a tradição profissional da diplomacia brasileira. O segundo, responsável pelos piores índices recentes de destruição na Amazônia, resultantes da “boiada” do desmonte dos sistemas de vigilância ambiental.
CONHECE A HISTÓRIA – Não só o meio ambiente separa Bolsonaro de Biden. Ainda vice de Barack Obama, quando veio ao Brasil em 2014, Biden trouxe na bagagem 43 relatórios produzidos pela inteligência americana entre 1967 e 77, sobre torturas, censura e assassinatos da ditadura militar, contribuição para o trabalho da Comissão Nacional da Verdade.
Manter diálogo com alguém bem mais poderoso, que repudia o regime que Bolsonaro não cansa de reverenciar, será um grande teste de maturidade política. Rugidos de nada adiantarão.