O trabalho infantil – que é ilegal – diminuiu nos últimos anos no Brasil, mas o país não tem o que comemorar. Dados divulgados nesta quinta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2019, cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes estavam trabalhando, sendo que 40% delas exerciam atividades consideradas as piores formas de trabalho infantil.
Outros cerca de 235 mil menores de 18 anos trabalhavam no país, mas em condições legais. A legislação brasileira proíbe que menores de 13 anos de idade exerçam qualquer tipo de atividade de trabalho, remunerado ou não, indiferente da carga horária. Só é permitido trabalhar no país a partir dos 14 anos, mas sob condições específicas, como a de menor aprendiz, que tem carga horária reduzida, por exemplo.
Havia três anos que o Brasil desconhecia o retrato do trabalho infantil.Os últimos dados divulgados pelo IBGE eram referentes a 2016 e foram apresentados em novembro de 2017. As divulgações dos anos seguintes foram adiadas devido à uma revisão metodológica para a classificação do trabalho infantil.
Com a nova metodologia, o número real de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em 2016 mais que dobrou em relação ao que havia sido divulgado – passou de 998 mil para 2,1 milhão.
Em nota técnica, o IBGE esclareceu que, para fazer a revisão metodológica, contou com o apoio “de entidades de referência no tema Trabalho Infantil”, como o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os dados sobre o trabalho infantil são coletados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Eles mostram que o número de crianças e adolescentes que trabalhavam ilegalmente no país teve queda de 16,8% em quatro anos.
Havia três anos que o Brasil desconhecia o retrato do trabalho infantil; IBGE revisou metodologia de classificação neste período. — Foto: Economia/G1
O contingente de menores que situação de trabalho infantil representava 4,6% de toda a população de crianças e adolescentes do país. Em 2016, esse percentual era de 5,3% – uma redução de 0,7 ponto percentual (p.p.) no período.
Retrato do trabalho infantil em 2019
Dentre os cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes que trabalhavam em 2019, 1,3 milhão exerciam atividade econômica. As outras cerca de 500 mil realizavam apenas atividades de autoconsumo, ainda assim consideradas como trabalho infantil.
Mais da metade (53,7%) dos menores em situação de trabalho infantil tinham entre 16 e 17 anos, e 25% tinham entre 14 e 15 anos. A faixa etária dos 5 aos 13 anos de idade representava 21,3% do grupo.
Os menores de 13 anos, no entanto, eram maioria no grupo que realizava apenas atividades de autoconsumo (47,1%), enquanto 26,1% tinham entre 14 e 15 anos e os outros 26,8%, entre 16 e 17 anos.
Do total de menores em situação de trabalho infantil em 2019, 21,3% tinha menos de 13 anos de idade — Foto: Economia/G1
O IBGE destacou que dentre os adolescentes com 16 e 17 anos que realizavam atividade econômica, 772 mil trabalhavam na informalidade, o que corresponde a 81,3% deste grupo em situação de trabalho infantil.
O levantamento do IBGE mostrou, também, que entre todas as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil:
- 66,4% eram homens;
- 66,1% eram pretos ou pardos;
- 86,1% frequentavam a escola;
- 29,1% residiam em domicílio que recebia Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada;
- Mais da metade (51,6%) trabalhava na agricultura (24,2%) e comércio (27,4%);
- 7,1% trabalhavam em serviços domésticos;
- 57,7% eram empregados e 11,5%, trabalhadores por conta própria ou empregadores;
- 30,9% eram trabalhador familiar auxiliar e não tinham remuneração;
- 42% trabalhavam até 14 horas semanais e 16%, 40 horas ou mais por semana.
Ao analisar a jornada de trabalho dos menores em situação de trabalho infantil, o IBGE apontou que a maioria trabalhava até 14 horas por semana. Ao desagregar por faixa etária, no entanto, o instituto observou variações dessa carga horária.
No grupo com menos de 13 anos de idade, a grande maioria trabalhava até 14 horas semanais. Na faixa etária entre 14 e 15 anos, a maior proporção também tinha essa mesma jornada de trabalho, mas a daqueles que trabalhavam de 15 a 24 horas semanais era superior ao dobro da faixa etária abaixo dos 13 anos.
Já entre aqueles entre 16 e 17 anos, a maior proporção trabalhava de 15 a 24 horas por semana e era quase equivalente as parcelas com carga horária de até 14 horas semanais e de 40 horas ou mais.
Renda média de R$ 503; meninas recebiam ainda menos
De acordo com o IBGE, o rendimento médio real das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em 2019 foi estimado em R$ 503 por mês, pouco mais da metade (50,4%) do salário mínimo vigente no ano, que era de R$ 998.
O estudo evidenciou que mesmo no trabalho infantil há desigualdade de gênero. Os menores do sexo masculino tinham rendimento médio de R$ 524, enquanto as meninas recebiam 12% a menos – R$ 461.
A desigualdade racial era ainda maior. Enquanto o rendimento médio dos menores de cor branca era de R$ 559, os de cor preta ou parda recebiam R$ 467, 16,4% a menos.
Trabalho perigoso: 706 mil nas piores formas de trabalho infantil
Na revisão metodológica para classificação do trabalho infantil realizada pelo IBGE, um dos dados incluídos na análise é o de menores que trabalhavam em atividades previstas na Lista Trabalho Infantil Perigoso (Lista TIP), consideradas as piores formas de trabalho infantil.
“Trabalho perigoso é todo aquele que possa afetar ou colocar a criança em risco, como no caso de manuseio de máquinas agrícolas, trabalhar com faca ou manusear material tóxico, por exemplo”, explicou a gerente da pesquisa, Maria Lúcia Vieira.
Em 2019, havia 706 mil crianças e adolescentes exercendo as piores formas de trabalho de trabalho infantil no Brasil. Esse contingente corresponde a quase 39,9% de todos os menores (1,8 milhão) que estavam em situação de trabalho infantil naquele ano e mais da metade (54%) daqueles, dentre eles, que realizavam atividades econômicas (1,3 milhão).
Dentre os menores em trabalho infantil perigoso, a maior parte (59,2%) tinha entre 16 e 17 anos e 14,7% (104 mil) tinha menos de 13 anos de idade.
Decreto federal proíbe que menores de 18 anos exerçam trabalhos prejudiciais à saúde, à segurança e à moralidade — Foto: Economia/G1
A Lista TIP foi elaborada de acordo com as recomendações da convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pode ser consultada na página do Governo Federal. Ela consta no decreto Nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que proíbe o trabalho de menores de 18 anos nas atividades nela descritas.
Ao todo, constam na Lista TIP 89 atividades consideradas “trabalhos prejudiciais à saúde e à segurança” na agricultura, indústria, e serviços, além de outras quatro consideradas como “trabalhos prejudiciais à moral” que incluem atividades relacionadas à exploração sexual, além da venda a varejo de bebidas alcoólicas.
Mais da metade dos menores em tarefas domésticas
O levantamento mostrou, também, que 19,8 milhões de crianças e adolescentes do país realizavam algum tipo de afazer doméstico e/ou cuidavam de crianças e idosos em 2019. Esse contingente corresponde a mais da metade (51,8%) de todos os menores de 18 anos do país – 38,3 milhões de pessoas.
Segundo o IBGE, o grupo de 16 e 17 anos de idade tinha o maior percentual de realização dessas tarefas (76,9%), seguido das pessoas de 14 e 15 anos (74,8%). Já entre as crianças menores de 13 anos, esse percentual chegava a 39,9%.
Os afazeres domésticos e os cuidados de pessoas eram mais frequente entre as meninas que os meninos. Dos 19,8 milhões que exerciam essa atividades, 57,5% eram do sexo masculino e 46,4%, masculino.
O IBGE destacou, ainda, que apenas 1,2 milhão dessas crianças e adolescentes conseguiam conciliar as tarefas com o trabalho.
“Quase a totalidade das pessoas que realizavam afazeres domésticos eram estudantes, mas quando condicionamos que além dos afazeres domésticos a pessoa trabalhe, o percentual daquelas que continuavam como estudantes caía para 83,7%. Ou seja, o fato da pessoa realizar ou não afazeres domésticos não tem tanto impacto na condição de estudante quanto o fato dela trabalhar”, apontou a gerente da pesquisa, Maria Lúcia Vieira.