Por Arnaldo Santos*
“De repente tudo vai ficando tão simples que assusta”. Tem razão o poeta! Assusta ver a naturalidade com que os mandarins da República estão transferindo o patrimônio pertencente à sociedade brasileira para a corriola de especuladores do mercado financeiro.
A frase com a qual iniciamos essa reflexão foi extraída de um poema do genial Mário Quintana, e sua sensibilidade ilustra bem a maneira simples e assustadora com que bilhões em ativos financeiros do povo brasileiro estão sendo entregues por esse governo para a turma da banca, devidamente autorizado pelo Ministério da Economia, que, embora pareça legal, é imoral!
Para entender como se dá essa promiscuidade e identificar a sua gênese, é preciso voltar um pouco no tempo, ao ano de 1983 – quando o então economista Paulo Roberto Nunes Guedes, hoje Ministro da Economia, fundou o BTG – Pactual, um banco de investimento especializado em capital de “risco”, além de administração de fundos e gerenciamento de ativos globais.
É consabido o fato de que, em julho último, o Banco do Brasil realizou sua primeira transação envolvendo créditos fora do seu conglomerado. Quer dizer, com um banco privado. A operação envolveu uma carteira de créditos avaliada em 2,9 bilhões, vendida pelo simbólico valor de 371 milhões. Se o leitor está imaginando que esse lucrativo negócio foi transacionado com o BTG – Pactual, acertou! Percebeu o tamanho do “risco”?
É imperioso afirmar que toda a negociação foi feita sem o mínimo de transparência, e quando veio a público, o negócio já estava concluído. Nem os servidores do Banco souberam da transação, pois não houve licitação nem qualquer outro processo que possibilitasse a participação de outras instituições financeiras na disputa, conforme aponta matéria publicada pelo site The Intercept-Brasil, onde relata toda essa história nada honrosa para os personagens da trama.
De tão suspeita a tal operação, os funcionários do Banco do Brasil formularam denúncia junto ao TCU, pedindo uma investigação, cujo relatório final é aguardado com muita expectativa. O sigilo envolvendo o referido conluio, desde o início, teve nome e sobrenome – BTG – Pactual Guedes.
Se o leitor está ruborizado por saber que um ativo financeiro, patrimônio do povo brasileiro, de quase 3 bilhões de reais, foi “vendido” por pouco mais de 10% por cento do valor, o que já é gravíssimo, o mais escandaloso você vai ler nos parágrafos subsequentes.
Mencionada operação, digamos, “estruturada”, (não sei se essa expressão lhe lembra algum episódio recente de corrupção), ganha contornos ainda mais impensáveis, quando o economista Mansueto Almeida, que deixou o governo recentemente é contratado pelo BTG, mesmo antes de deixar o cargo. De reconhecida capacidade técnica, já estava no governo desde 2016, é amigo do Ministro da Economia Paulo Guedes, e foi convidado para permanecer em sua equipe como secretário nacional do Tesouro.
É cediço o fato de que, no último mês de junho, alegando cansaço, Mansueto anunciou que deixaria o governo, pois não aguentaria ficar até 2022. Logo que surgiram boatos de que já estaria negociando um novo emprego no setor privado, afirmou: “[…] não é verdade. Seria maluquice eu estar no governo e vendo para onde ir. Vou definir isso na quarentena depois que sair”.
A quarentena a que ele se refere é o tempo que os agentes públicos devem cumprir antes de irem trabalhar no setor privado (por lei, são seis meses), para evitar o uso de informações privilegiadas obtidas enquanto estiverem no governo, em favor dos interesses privados, especialmente em uma área estratégica como a de política econômica, como o Mansueto exercia.
Mas para surpresa, entretanto, dos bem-intencionados desta Nação, o que se viu já no primeiro mês da quarentena foi o anúncio da sua ida para o BTG – Pactual, apesar de ele ter considerado “maluquice” imaginar que estaria negociando emprego no setor privado, enquanto ainda estava como secretário do Tesouro. Ficou escandalizado?
Por compromisso com a verdade deve ser dito ao leitor que esse troca-troca de cargos públicos e privados, embora escandaloso virou uma prática corriqueira no Brasil, desde a redemocratização, e a lista dos que deixaram esse, e o governo anterior, e foram para iniciativa privada cumprindo ou não a quarentena é extensa.
Além de Mansueto Almeida, o caso mais recente é o do ex-assessor especial do Ministro Paulo Guedes, Caio Megale, que pediu para sair agora em julho, foi dispensado de cumprir a quarentena, e há uma semana foi contratado como economista-chefe da XP Investimento. Outro que percorreu o mesmo caminho, foi o então Ministro da Fazenda no governo Temer, Eduardo Guardia, que desde julho do ano passado assumiu a presidência da área de gestão de ativos do mesmo BTG. Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro, atualmente é economista-chefe do Santander. Ilan Goldfain, ex-presidente do Banco Central, é o presidente do Credit Suisse no Brasil, e a relação continua aumentando.
Diante dessa promiscuidade, ao MPF, cabe investigar o descumprimento da quarentena, e ao Congresso Nacional, aprovar uma lei mais rígida que ponha um fim a essa prática vergonhosa, que revela a um só tempo falta de ética e desvio de conduta enquanto agente público.
O mais grave você vai saber agora. De acordo com informações publicadas na mídia grande nacional, inclusive nas redes de televisão, Mansueto será sócio, e por tanto um dos donos dessa carteira trilionária, (como assim, sócio de um banco ao pedir demissão do tesouro nacional), economista-chefe do BTG, que por uma dessas coincidências, foi fundado por Paulo Guedes, seu amigo e ex-chefe, o mesmo que autorizou a transferência da carteira do Banco do Brasil, pelo simbólico valor de 371 milhões. Não é preciso dizer mais! Como nesse governo o conceito de corrupção foi relativizado, tudo parece tão simples e normal, que até assusta!
De tão vergonhosa essa operação, Rubens Novaes, então presidente do Banco do Brasil, ainda em julho, após a conclusão desse escandaloso negócio, onde o governo entregou esse mimo de 3 bilhões do povo brasileiro, para o BTG, encaminhou sua carta de demissão ao posto Ipiranga-BTG, alegando não ter se adaptado a cultura do compadrio predominante em Brasília, leia-se, no governo do Presidente Bolsonaro.
Apesar de o economista Mansueto só poder assumir suas novas funções em janeiro, o BTG, da corriola do Paulo Guedes, não teve o pudor nem de esperar até lá, e já está faturando no mercado com o anúncio de sua contratação; afinal, é alguém que passou quatro anos, somando os períodos dos governos Temer e Bolsonaro, acumulando informações privilegiadas no Tesouro, o que faz seu nome valer muito para o mercado. De tão boa essa transação, e de tão benéfica sua saída do governo, nem é preciso ir para Pasárgada, pois aqui também ele é amigo do Rei!
A indecência dessa operação “estruturada” e camuflada, para a venda dessa carteira, serviu para escancarar de vez a promiscuidade que existe entre os interesses públicos e privados, em um governo, cujo Presidente se elegeu ancorado em um discurso nacionalista, assegurando a defesa do patrimônio estatal, indignado e intransigente no combate à corrupção.
Ante esse despudor e os escassos escrúpulos éticos do mandarim da economia, não é sem propósito imaginar que, com o objetivo de promover outras negociatas de transferências de mais ativos do patrimônio da nossa Nação, para a banca, o agora ex-posto Ipiranga tenha levado um cartão vermelho do Presidente, no início da semana, e fingiu que não foi com ele.
Como é típico dos vassalos, além de não defender sua equipe da humilhação pública sofrida no episódio da suspensão do Projeto Renda Brasil, sem nenhum resquício de dignidade, cinicamente, afirmou que o cartão vermelho não foi para ele. A conclusão a que se chega é que, o posto Ipiranga depois de abastecer o BTG, ficou sem combustível para fazer funcionar o Renda Brasil.
Para um Ministro da Economia aceitar ser desautorizado publicamente pela segunda vez, e ainda concordar com a grosseria do Presidente, sendo ele um professor de respeitadas instituições de ensino superior, tido e havido como homem supervalorizado pela banca da qual ele mesmo é um renomeado integrante, dá até para desconfiar de tanta abnegação, e perguntar que outros interesses o levam a permanecer no cargo. Não vai querer nos convencer de que é por amor à Pátria! As evidências revelam uma total ausência de amor-próprio do Ministro, e me permitem afirmar que As vaidades e as ambições dos homens apagam suas biografias!
Em artigo publicado na mídia nacional, com o título A Porta-giratória Mercado-Governo, o economista Alexandre Andrada destaca a facilidade e o cinismo com que as autoridades públicas permitem que os interesses privados sequestrem os proveitos públicos à luz do dia. E assinala: “[…] ao chamar gente do mercado para comandar a política monetária, cambial e financeira do País, o governo, em certa medida, entrega superpoderes aos grupos privados que atuam nesse setor. Ao contratar com frequência funcionários e gestores públicos em troca de salários milionários, as empresas financeiras geram incentivos para que essas pessoas se comportem desde sempre em favor dos interesses de futuros e potenciais empregadores”.
No BTG, por exemplo, além de André Esteves, Pérsio Aridas, um dos seus donos, economista que trabalhou no Plano Cruzado, e foi um dos mentores do Plano Real, foi também presidente do BNDES e do Banco Central no governo FHC. Isso evidencia que, além de um problema de caráter dos indivíduos, revela a existência de uma questão de ordem estrutural, no Estado Brasileiro.
Também deve ser dito que, “[…] esse tipo de conflito de interesses nunca foi problema para esses liberais do alto escalão do mercado financeiro”, especialmente se um deles é o próprio Ministro da Economia.
*Jornalista, sociólogo e doutor em Ciências Políticas