Carolina Brígido, Aguirre Talento e Jéssica Moura
O Globo
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou ao presidente Jair Bolsonaro a possibilidade de prestar depoimento por escrito no âmbito do inquérito que investiga as acusações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, de que o chefe do Executivo teria tentado interferir na Polícia Federal. Com isso, Bolsonaro terá que ser ouvido pessoalmente, conforme a colunista Míriam Leitão antecipou em maio.
O ministro destacou em sua decisão, porém, que o presidente pode não comparecer ou ficar em silêncio, se desejar. Segundo a colunista Bela Megale, aliados do presidente defendem que Bolsonaro adie o depoimento e postergue o caso até Celso de Mello se aposentar.
CONTRADIÇÕES – Caso deponha, o presidente terá que explicar as contradições entre seus argumentos de defesa e as provas colhidas no inquérito que apura sua suposta interferência na PF. Elas fragilizam a versão dele para os fatos.
A investigação foi aberta a partir de acusações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Quando anunciou sua demissão do cargo, em abril, Moro disse que Bolsonaro tentou interferir na corporação ao demitir o diretor-geral e cobrar a troca no comando da Superintendência no Rio de Janeiro. Veja o que o presidente precisará esclarecer.
SEGURANÇA FAMILIAR – No dia 15 de maio, o presidente declarou que estava preocupado com a segurança de seus familiares ao falar na reunião ministerial do dia 22 de abril sobre problemas na segurança e que queria trocar a equipe.
—A interferência não é nesse contexto da inteligência, não. É na segurança familiar. É bem claro — disse Bolsonaro.
O inquérito da PF registra, no entanto, um ofício do Gabinete de Segurança Institucional apontando que nunca houve “óbices ou embaraços” para troca na segurança. Informou ainda que o chefe da segurança pessoal do presidente no Rio foi trocado em março, um mês antes da reunião gravada em vídeo.
RELATÓRIOS – O presidente reclamou, na mesma reunião do dia 22 de abril, que não tinha informações das áreas de inteligência, citando a PF e outros órgãos.
— Não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as… as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações— disse.
No inquérito da PF, há dados apresentados pelo diretor da Abin mostrando que presidente e ministérios receberam 1.272 relatórios de inteligência em 2019 e 2020. A PF enviou 65 relatórios desse tipo.
PRODUTIVIDADE – Em agosto de 2019, Bolsonaro declarou publicamente que estava insatisfeito com a produção da Superintendência da PF no Rio.
— Todos os ministérios são passíveis de mudança. Vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade — pontuou.
Dados da produtividade da PF mostram, porém, que a Superintendência fluminense havia melhorado seu índice produtivo em 2019 e atingiu sua melhor performance em julho daquele ano, um mês antes de Bolsonaro anunciar a troca.
MOTIVAÇÃO – Bolsonaro declarou em maio deste ano que não estava preocupado com a PF, nem nunca esteve. Ele chegou a dizer que a a corporação nunca investigou ninguém de sua família. Mas procuradores obtiveram cópia de inquérito que tramitou no Rio e investigou suspeitas de lavagem de dinheiro do senador Flávio Bolsonaro.
O caso foi arquivado pela PF após a realização de poucas diligências, sem quebras de sigilo.
MENSAGENS PARA MORO – Mensagens no telefone celular do ex-ministro Sergio Moro são alguns dos elementos principais da investigação. Em uma conversa na semana em que decidiu pela demissão de Maurício Valexo do comando da PF, o presidente reclama da investigação sobre deputados bolsonaristas em um inquérito que apura fake news contra integrantes do Supremo. Ele afirma ao então ministro que este era mais um motivo para trocar o comando da Polícia Federal.
Em outra mensagem do mesmo mês de abril, o presidente afirmou que ministros que o contrariassem deveriam ter a “dignidade de se demitir”.