Christian Cardoso
Inicialmente, parabenizamos o Dr. Ednei Freitas por iniciar essa rica discussão sobre a relevância da obra de Sigmund Freud, com todos seus prós e contras… Sem pretensão de esgotar qualquer tema, de fato, Freud é considerado o “Pai da Psicanálise”. Seu trabalho influenciou muitas linhas psicanalíticas, direta ou indiretamente, e marcou a psicologia.
Mas, também, foi objeto de reservas. Por exemplo, K. Popper indicava que o conjunto de conjecturas freudianas se apoiava em teses “ad hoc” como a do Mito de Édipo. A assunção dogmática de pontos de partida como este permitiria ao edifício freudiano se “imunizar” contra a crítica científica… Em resposta, Freud (médico, de formação), tentou empreender a elaboração de uma “metapsicologia” em que se explicitasse os fundamentos do conjunto de assunções de suas teses…
ÊXITOS TERAPÊUTICOS – Voltando às relações entre psicanálise e ciência, importante notar que em momento algum deixamos de reconhecer mérito nos êxitos terapêuticos das diversas linhas da psicanálise, hoje bastante desenvolvidas ao redor do mundo, passando por Freud, Lacan, Winnicott, Heidegger/Boss, Deleuze, Gaiarsa, Rosenberg e dezenas (talvez, centenas!) de outros teóricos.
Pessoalmente, entre outras teorias, admiro e considero notáveis os resultados obtidos pela gigante Nise da Silveira, a qual desenvolveu seus trabalhos tendo a obra de Jung como um dos seus eixos teóricos.
Enfim, independentemente da corrente em questão, reconheço que os resultados em termos de ganho para os pacientes são elementos que pesam em favor da psicanálise.
COMO UMA CIÊNCIA – Se a psicanálise puder ser explicitada em termos de conhecimento perscrutável ao observador externo (ao invés de constituir um “locus” acessível somente ao intérprete privilegiado), oportunizando a terceiros o aprendizado através da abordagem crítica de seu conteúdo e, consequentemente, o compartilhamento desse conhecimento, tanto melhor. Aliás, isto é um corolário da pretensão que o Sr. veicula ao afirmar que busca um estatuto de ciência para a psicanálise.
De fato, Popper dirigiu reparos à cientificidade da obra de Freud. Cumpre lembrar que o objeto da crítica era a obra (teoria formalizada proposicionalmente), não a pessoa de Freud (embora não venha ao caso, incidentalmente, registra-se que as famílias de ambos nutriam amizade na Viena da virada do séc. XIX para o séc. XX). Se tais críticas procedem, penso que cabe à totalidade da comunidade destinatária das proposições (ao gênero humano) avaliar se as mesmas merecem, ou não, alguma acolhida.
POPPER E FREUD – O Sr. observa que Popper cometera o erro filosófico de desqualificar a psicanálise enquanto ciência. Ainda, como o Sr. bem lembrou, o erro está imbricado no processo de crescimento do conhecimento. Nesse sentido, longe de idealizar Freud, Popper, ou qualquer outro ser humano (falível/passível de erro), penso que a crítica feita por Popper à psicanálise de inícios do século XX possa (e deva) também ser “criticada” para que, à luz dos problemas encontrados, das soluções para esses problemas, e de outras teorias com maior alcance explanatório, seja possível o avanço do conhecimento (e quiçá, o aproveitamento deste por parte da humanidade, implicando em maiores níveis de dignidade para a totalidade da espécie).
Dizemos o mesmo quanto às críticas popperianas em face do marxismo (clássico à Escola de Frankfurt), ao imperialismo lógico do Círculo de Viena, à ciência revolucionária de Kuhn, entre outras. Pois, como o próprio Popper afirmara, é preferível que nossas teorias morram, em vez de nós, no lugar delas!