Investimento feito em imóveis foi cinco vezes maior do que a remuneração como ex-policial. Investigação oficial e apurações da TV Globo mostraram que, na época, ele já frequentava o imóvel de Atibaia (SP) onde foi preso.
Por Arthur Guimarães e Felipe Freire
Documentos anexados à investigação que apura suspeitas de lavagem de dinheiro e peculato no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro mostram que Fabrício Queiroz, o ex-assessor apontado como o operador do esquema, apresentou informações “falsas” às autoridades, de acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ).
Quem lê as petições apensadas ao processo vê um Queiroz que, apesar da rotina de viagens a São Paulo para tratar da saúde, tem uma vida firme no Rio de Janeiro, onde teria endereço fixo, moraria com a família e estaria, inclusive, fazendo reforma em casa.
No dia 5 de julho do ano passado, Queiroz fez uma compra em uma loja de móveis do Jardim Botânico, bairro nobre da zona sul carioca. Não é possível saber se foi de forma presencial ou à distância, por telefone ou internet.
Ele Informou morar na rua Frei Luiz Alevato, na Taquara, endereço da zona oeste distante cerca de 30 quilômetros dali – de transporte público, a viagem dura uma hora e meia. A entrega era para outro imóvel no mesmo bairro, na Rua Meringuava, onde hoje ele cumpre prisão domiciliar ao lado da esposa, Márcia Aguiar.
Compras feitas por Fabrício Queiroz — Foto: Reprodução
Queiroz comprou mais de 50 mil reais em mobília. A reforma nos quartos custou R$ 24 mil. Para a cozinha, foram R$ 11,4 mil. Mas ele também adquiriu mobiliário para home theater e dois banheiros. O contrato com a loja aponta que as quantias foram parceladas e pagas parte em dinheiro e parte em boletos.
A entrada foi de R$ 30 mil, mas não é possível saber a forma de quitação. O que se sabe é que, sem o salário que recebia na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Queiroz, dizem os investigadores, teria uma renda oficial de cerca de R$ 11 mil mensais, recebidos por ser policial militar aposentado. Ou seja, a compra total teve valor cerca de cinco vezes maior do que os rendimentos dele.
Dez dias depois da compra, no dia 15 de julho, a defesa de Queiroz prestou informação semelhante ao MP-RJ. Juntou ao processo uma cópia de conta de luz, tendo como junho de 2019 o mês de referência. É apontado o mesmo endereço fornecido na loja de móveis: na Rua Frei Luiz Alevato.
Conta de luz de junho de 2019 apresentada pela defesa de Fabrício Queiroz — Foto: Reprodução
O documento está anexado a um ofício da defesa de Queiroz. É uma resposta a uma cobrança feita pelo Ministério Público, que solicitou formalmente à defesa do ex-policial um endereço fixo, uma condição imposta pelos promotores para que a defesa tivesse acesso aos autos.
Assinado pelo advogado Paulo Klein, o documento diz que Queiroz “reside” na Rua Frei Luiz Alevato ao lado da esposa e das filhas. É feita, no entanto, uma ressalva: por causa de um tratamento de saúde, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro “continua na cidade de São Paulo”, “estando, neste momento, hospedado no Hotel Ibis São Paulo Morumbi”.
Tanto a informação fornecida à loja de imóveis – assim como a presente na conta de luz e no ofício do advogado – são consideradas “falsas” pelo Ministério Público. Uma semana depois de a defesa de Queiroz citar a hospedagem no hotel, o sub-gerente da unidade enviou um e-mail ao MPE-RJ dizendo que “não houve hospedagem da pessoa citada”.
No pedido de prisão de Queiroz, os promotores anexaram provas de que, ao menos desde agosto de 2019, ele já frequentava o imóvel em Atibaia que pertence ao ex-advogado de Flávio e Jair Bolsonaro. Reportagens da TV Globo mostraram mais: há indícios de que Queiroz já estava em Atibaia em dezembro de 2018.
Fontes explicaram que fornecer endereço falso é uma estratégia de quem pretende fugir da Justiça em caso de expedição de uma ordem de prisão. Isso porque, estando em local conhecido, a pessoa pode ser surpreendida a qualquer momento, inclusive nos primeiros minutos da manhã, por uma operação surpresa.
Já quem está em endereço incerto, em caso de expedição de um mandado de prisão e de uma operação inesperada, facilmente ficará sabendo da ação policial e pode se evadir – o que fez a esposa de Queiroz, beneficiada posteriormente por um Habeas Corpus visto como juridicamente inusitado.
Para os promotores do caso, houve a adoção de uma “complexa rotina de ocultação de seu paradeiro”. Segundo o MP-RJ, “enquanto sua defesa omitia dos autos seu paradeiro e alegava problemas de saúde que o impediriam de depor, Fabrício Queiroz escondia-se na cidade paulista de Atibaia.
O advogado Paulo Klein negou que tenha passado informações falsas ao MP-RJ. Disse que, quando foi a São Paulo, encontrou com Queiroz no hotel citado na petição. E afirmou ter ouviu do então cliente que ele estaria hospedado lá – e residindo de forma permanente no Rio, quando não estava em atendimento médico na capital paulista.