Mateus Vargas, Julia Lindner e Patrik Camporez
Estadão
Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto, formada em relações públicas e filha do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, desistiu de assumir vaga de gerente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com salário mensal de R$ 13.074. A informação foi confirmada nesta quarta-feira, dia 22, pelo Diretor de Desenvolvimento Setorial (DIDES) da ANS, Rodrigo Rodrigues de Aguiar, que seria chefe de Isabela no cargo.
O recuo ocorreu após o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências) cobrar explicações da ANS sobre possível nepotismo cruzado na contratação. O processo de nomeação da filha de Braga Netto foi instaurado “por indicação” do diretor-adjunto da DIDES da ANS, Daniel Meirelles Fernandes Pereira, como informou a agência ao Estadão.
SUBORDINAÇÃO – O diretor-adjunto da ANS é irmão de Thiago Meirelles Fernandes Pereira, um dos principais auxiliares de Braga Netto. Thiago é secretário-executivo adjunto da Casa Civil. Se fosse confirmada a entrada de Isabela Braga na agência, ela seria chefiada pelo irmão de um secretário subordinado ao seu pai, pois Daniel assume o comando da diretoria na ausência do titular.
Procurada, a Casa Civil não se manifestou sobre a desistência. Integrantes do Palácio do Planalto disseram que houve “exploração política” do caso por “pessoas de esquerda” de dentro da agência para atingir o governo.
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), nepotismo cruzado ocorre quando dois agentes públicos empregam familiares um do outro como troca de favor. Em “nota de esclarecimento”, o diretor Aguiar alega que houve “uso político” do caso. Ele diz ainda que é um “erro” apontar irregularidade, pois a ANS “não possui relação hierárquica ou vinculação com órgão da administração pública direta”.
CARGO – Na mira de Isabela Braga Netto, a Gerência de Análise Setorial e Contratualização com Prestadores da ANS trata de “características gerais” de contratos entre planos de saúde e prestadores de serviço, como hospitais. Ela ocuparia o cargo de Gustavo de Barros Macieira, servidor de carreira da agência e especialista em direito do Estado e da regulação pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que ainda ocupa o posto.
O mandato de Aguiar como diretor da ANS se encerra em setembro deste ano. Enquanto não houver substituto indicado pelo Palácio do Planalto, Daniel será o chefe da diretoria – e poderia mandar na filha de Braga Netto, caso fosse contratada. Em nota, Aguiar afirmou que o processo para nomear a filha do ministro “gerou repercussões distorcidas e ilações”.
“O processo de nomeação expôs desnecessariamente autoridade do governo federal que possui conduta ilibada e ética ao longo de toda carreira profissional, servidores de carreira da própria ANS e particulares”, disse.
CRÍTICAS – A consulta sobre a nomeação de Isabela Braga Netto foi alvo de críticas. Procurador da República em Goiás, Helio Telho afirmou, no Twitter, segunda-feira, dia 20, que “é provável” que o STF anule a contratação, pois a medida contraria posições da Corte sobre indicação de parentes. O senador Humberto Costa (PT-PE) disse: “A mamata é um projeto político desse governo hipócrita”.
Um membro do governo com trânsito na ANS lembrou que diretores do órgão são indicados pelo presidente da República. Aguiar não pode ser reconduzido ao cargo de diretor, mas a legislação permitiria uma indicação a diretor-presidente. Os nomes sugeridos aos comandos de agência costumam ser recebidos pela Casa Civil e pinçados pelo mandatário. Sob comando interino, Bolsonaro pode indicar o presidente do órgão.
Questionado sobre quem sugeriu a filha do ministro para a vaga e se ela tem experiência na área, o diretor Aguiar afirmou que não poderia comentar o assunto. Ele disse apenas que a indicação “chegou por canais comuns”.