“A vida é como andar de bicicleta. Para se manter equilibrado, é preciso seguir em frente.”
A frase não é umas das milhares atribuídas erroneamente a Albert Einstein (1879-1955) na internet. O físico de fato a escreveu a seu filho Edward em uma carta de fevereiro de 1930.
Um dos cientistas mais relevantes da história, Einstein seguiu isso à risca e se manteve ativo até o fim de seus dias.
Ele recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1922 e um reconhecimento mundial que transcendeu a ciência. Existe a física antes dele e a física depois de suas descobertas.
Jornalistas e biógrafos o descrevem como um rebelde com imensa curiosidade e totalmente apaixonado pela ciência.
Apesar da reputação de ser um homem distante e solitário, na verdade ele cultivava fortes laços familiares e de amizade que duraram toda a sua vida.
Mas como essa mente brilhante administrava seu tempo, como eram suas rotinas e quão verdadeiro são os estereótipos atribuídos ao gênio?
Saiba mais sobre alguns aspectos da vida de Einstein, 65 anos após sua morte.
Conhecimento e criatividade
Para Einstein, havia algo muito mais significativo do que a sabedoria e que o acompanhou ao longo de sua vida.
“A imaginação é mais importante que o conhecimento”, disse ele ao jornalista George Sylvester Viereck em entrevista publicada no jornal Saturday Evening Post, em outubro de 1929.
Quando criança, Einstein teve dificuldades para falar e aprender.
“Ele tinha tanta dificuldade com a linguagem que as pessoas ao seu redor temiam que nunca aprenderia”, escreveu Maja Einstein, irmã de Albert, a sua amiga Sybille Blinoff em uma carta em maio de 1954.
O próprio Albert Einstein refletiu na vida adulta sobre a infância e os problemas de aprendizagem.
“O adulto médio nunca se preocupa com questões como espaço e tempo. Esses são conceitos que ele aprendeu quando criança. Mas, como me desenvolvi tão lentamente, comecei a me questionar sobre espaço e tempo apenas quando já era adulto”.
“Consequentemente, eu investiguei o problema mais profundamente do que uma criança comum”, disse o próprio Einstein ao físico alemão e vencedor do Nobel James Franck, um dos testemunhos que o escritor Walter Isaacson coleta na biografia Einstein, sua vida e universo.
No entanto, alguns pesquisadores argumentam que a capacidade de Einstein de se concentrar e sistematizar, ou seja, sua capacidade de identificar as leis que governam um sistema e, ao mesmo tempo, sua aparente falta de empatia, poderiam ter sido uma manifestação de autismo, o que nunca foi comprovado.
Extrema concentração
A genialidade de Einstein combinada com sua extrema capacidade de concentração o levou a escrever em 1905 cinco influentes pesquisas científicas que incluem, por exemplo, a equação mais famosa da história da ciência (E = mc2).
Alguns chamam esse período de “ano milagroso”.
Na época, Einstein, com apenas 26 anos, trabalhava em um escritório de patentes suíço oito horas por dia, seis vezes por semana.
“Ele podia trabalhar um dia inteiro em apenas duas ou três horas. No resto do dia, desenvolvia suas próprias ideias”, diz Peter Bucky, radiologista e amigo de Einstein, em seu livro The Private Albert Einstein (A Vida Privada de Albert Einstein, em tradução livre).
Aquele ano foi a demonstração de que a mente de Einstein podia lidar com uma variedade de ideias simultaneamente.
Essa habilidade também se refletia no dia a dia em casa com sua família.
“Mesmo o choro mais alto de um bebê não parecia incomodar meu pai. Ele era capaz de continuar seu trabalho completamente imune ao ruído”, descreveu seu filho Hans Albert Einstein para Bucky.
O violino era outro instrumento que lhe permitia aguçar essa concentração.
“Ele costumava tocar violino na cozinha tarde da noite, improvisando melodias enquanto refletia sobre problemas complicados. Então, de repente, ele dizia: ‘Entendi!’. Como se por inspiração, a resposta para o problema tivesse chegado a ele no meio da música “, acrescentou Hans Albert Einstein.
Ciência versus família
Embora houvesse momentos na vida de Einstein em que parecia excelente em conciliar muitas tarefas ao mesmo tempo, também é verdade que gerenciar o equilíbrio entre sua vida profissional e privada não era fácil para ele.
Além do “ano milagroso” em que sua produtividade foi impressionante, o cientista continuou a publicar pesquisas e análises inovadoras: seis em 1906 e dez em 1907, enquanto trabalhavam no escritório de patentes.
Pelo menos uma vez por semana, ele tocava violino em um quarteto de cordas e cuidava de seu filho Hans Albert, que tinha cerca de três anos na época.
“Quando minha mãe estava ocupada em casa, meu pai deixava seu trabalho de lado e cuidava de nós por horas. Lembro-me dele contando histórias e tocando violino com frequência”, lembrou Hans Albert em uma entrevista.
Mas em 1911 as coisas começaram a dar errado, e seu relacionamento com a família se tornou difícil. Para Einstein, a vida profissional começou a pesar mais que a vida pessoal.
“Ele está trabalhando incansavelmente nos problemas dele, pode-se dizer que vive apenas para eles”, disse a então esposa de Einstein, a física Mileva Maric, à amiga Helene Savic em uma carta de 1912.
As tensões no casamento, juntamente com a crescente reaproximação com sua prima Elsa, que mais tarde se tornaria sua segunda esposa, tornaram-se insustentáveis ??em 1913.
Trabalho excessivo – até então ele tinha três empregos – tensão mental e problemas domésticos eram demais para Einstein.
“Ele estava com a impressão de que a família estava gastando muito do seu tempo e que ele tinha o dever de se concentrar totalmente em seu trabalho”, disse seu filho Hans Albert em uma série de entrevistas à BBC em 1967.
Quando Einstein se separou de Mileva, em 1914, ele também se distanciou das crianças, e isso o perturbou profundamente.
Ele então mergulhou na ciência para escapar de sua tristeza.
E o almoço?
Sua dedicação à pesquisa científica, que resultou na teoria da relatividade geral, ao lado de outras descobertas, deixou Einstein exausto em 1915.
“Meus sonhos mais ousados ??se tornaram realidade”, escreveu a seu amigo Michele Besso no final daquele ano. “Eu estou feliz, mas kaput (totalmente quebrado)”.
Esse processo não apenas o deixou exausto, mas seus episódios de distração se tornaram mais frequentes, e ele acaba se esquecendo de comer.
“Muitas vezes estou tão envolvido com meu trabalho que esqueço de almoçar”, escreveu ele a seu filho em uma carta em maio de 1915.
Quando Einstein se casou novamente, seu casamento com Elsa foi muito diferente do anterior.
Eles tinham quartos separados e ele ficou muito satisfeito por ela cuidar dele o tempo todo.
“Elsa decidia para ele quando comer e para onde ir; ela fazia sua mala e entregava-lhe dinheiro nos bolsos. Esses detalhes permitiram que ele se concentrasse mais no cosmos do que no mundo ao seu redor”, detalha Isaacson em seu livro.
Einstein gostava de velejar e passear. Eram formas de clarear sua mente depois de momentos de intensa concentração. Muitas vezes ele fazia caminhadas acompanhadas de Elsa, suas filhas ou simplesmente sozinho.
Há várias histórias sobre as distrações de Einstein, incluindo algumas nas quais ele foi visto perdido na rua e teve que pedir ajuda para voltar para casa, embora muitas delas possam ser exageradas.
Após a morte de Elsa, em dezembro de 1936, e já morando nos Estados Unidos, Einstein voltou a mergulhar no trabalho.
Em uma carta a seu filho Hans Albert, em janeiro de 1937, Einstein admitiu que achava difícil se concentrar, mas esse trabalho o manteve ativo.
“Enquanto eu puder trabalhar, não devo e não vou reclamar, porque o trabalho é a única coisa que dá substância à vida”, escreveu ele em uma das cartas compiladas pelos Arquivos Albert Einstein (AEA) da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Aparência bagunçada
Einstein certamente não era um homem vaidoso.
Ele construiu uma imagem de “professor gentil, embora às vezes distraído, mas infalivelmente doce, que vagava perdido em pensamentos, ajudava as crianças com a lição de casa e raramente se penteava ou usava meias”, descreve Isaacson em sua biografia.
Em 1909, seus cabelos e roupas começaram a ficar cada vez mais bagunçados.
“Cheguei a uma idade em que, se alguém me disser para usar meias, não preciso”, disse Einstein, brincando, para um vizinho, segundo Bucky.
Entre as muitas histórias que muitas vezes se repetem sobre Einstein, uma delas é que ele tinha diferentes conjuntos de roupas, mas todos iguais para não perder tempo escolhendo diariamente o que vestir.
No entanto, nem a biografia detalhada de Isaacson nem os arquivos autorizados que contêm material original do cientista mencionam essa história.
“Nunca vi uma fonte confiável afirmando que Einstein tinha o mesmo tipo de roupa”, disse Roni Grosz, diretor da AEA, à BBC News Mundo, por email.
De acordo com as fotografias, o cientista costumava repetir o uso de uma jaqueta de couro para eventos formais e informais.
Quando uma amiga descobriu que Einstein tinha uma alergia leve a suéteres de lã, ela foi a uma loja e comprou para ele algumas camisetas de algodão que ele usava o tempo todo, descreve Isaacson.
Talvez daí venha parte do mito de que o cientista usava o mesmo tipo de roupa para não perder tempo pensando no que vestir todos os dias.
E sua famosa foto despenteado também se tornou icônica.
Até “a atitude despojada dele em relação aos cortes de cabelo era tão contagiosa que Elsa, Margot e sua irmã Maja ostentavam os mesmos cabelos grisalhos”, especula Isaacson.
Sem pretensão
Einstein era um homem muito austero. Ele não tinha ambição por dinheiro além daquele que lhe permitia viver sem luxo.
Em uma reportagem no Saturday Evening Post de 1929, o jornalista descreve a mesa de Einstein como sóbria.
“O único instrumento de Einstein é sua cabeça. Ele não precisa de livros, e seu cérebro é sua biblioteca”, detalha ele.
Quando lhe foi oferecido o cargo no Institute for Advanced Study em Princeton, Nova Jersey (EUA), na década de 1930, seus pedidos para seu novo escritório também eram poucos.
“Uma mesa ou escrivaninha, uma cadeira, papel e lápis. Ah, sim! E uma grande cesta de lixo, para poder jogar fora todos os meus erros”, pediu Einstein, segundo o biógrafo Denis Brian em seu livro Einstein, uma vida, de 1996.
Sua rotina diária também era simples: ele acordava, tomava café da manhã e lia os jornais.
Então, por volta das 10 da manhã, ele caminhava lentamente de sua casa para o instituto, chamando a atenção das pessoas com quem encontrava, pois na época já era uma celebridade.
Einstein trabalhou até que a dor do rompimento de um aneurisma o forçou a ir ao Hospital de Princeton, onde morreu em 18 de abril de 1955, aos 76 anos.
Até o fim, o cientista lutou para encontrar uma teoria de campo unificada para o campo eletromagnético e o campo gravitacional. Mas ele não teve sucesso.
No entanto, sua perseverança, genialidade e descobertas fizeram dele a face mais famosa da ciência nos últimos séculos, e ele nunca perdeu sua humildade.
“Não tenho talentos especiais, sou apenas curiosamente apaixonado”, escreveu Einstein a Carl Seelig, seu primeiro biógrafo, em março de 1952.