Depois de instigar secretários de segurança contra Moro, Bolsonaro teve que reconhecer que estava atirando no próprio pé
Balão de ensaio é um velho truque político para testar a aceitação de propostas e medidas polêmicas, sem que a sua rejeição chamusque seus autores, em geral protegidos pelo anonimato. Quando bem lançados, com alvos definidos, podem coletar informações úteis na tomada de decisões delicadas. Em mãos menos hábeis, costumam gerar desgastes para os próprios autores.
Sem nenhuma sutileza, Jair Bolsonaro é useiro e vezeiro em alçar balões e esvaziá-los diante de reações negativas, ficando apenas com os ônus do lançamento. Nessa sexta-feira (24), em visita oficial a Nova Deli, na Índia, ele tentou remendar o balão que na véspera lançou em pleno Palácio do Planalto sobre desmembrar o Ministério da Justiça e tirar so comando de Sérgio Moro a Segurança Pública com a Polícia Federal e outros órgãos essenciais ao combate à corrupção e ao crime organizado.
Nem precisava de teste para saber que, para ele, presidente Jair Bolsonaro, era um péssimo negócio. Seu único ganho palpável seria fortalecer o acordão com os presidentes Rodrigo Maia e Dias Tóffoli para cortar as asas de Sérgio Moro e barrar os avanços da Lava Jato e outras investigações sobre corrupção. Mesmo o suposto pretexto de agradar aos secretários estaduais de segurança de todo o país era meio fajuto — boa parte não concorda com a mudança, que só entrou na pauta pelo pedido do próprio Bolsonaro por baixo dos panos. Por todas as outras razões, foi uma trapalhada.
A versão que restou de que Bolsonaro agiu por ciúme pelo foguetório em torno dos bons resultados na Segurança Pública, em especial na redução do número de homicídios, e por não ter sido defendido como gostaria na entrevista de Sérgio Moro no Roda Viva, na TV Cultura, só se sustentam como picuinhas. É justamente o bom desempenho da pasta de Moro, junto com a discreta melhoria na economia sob a batuta de Paulo Guedes, que vem ajudando Bolsonaro a recuperar parte da popularidade perdida em seu primeiro ano de governo.
Bolsonaro esticou a corda sabendo do limite de Moro, que ficou claro na crise ano passado entre o presidente e seu ministro, que é o comando da Polícia Federal. Seus parceiros políticos nessa empreitada, como Rodrigo Maia, até alimentaram a expectativa de que dessa vez Moro tomasse a iniciativa de pedir demissão, diante do estardalhaço no lançamento do balão de ensaio no Palácio do Planalto, em transmissão ao vivo pela TV oficial. Parecem esquecer que Moro, desde seus tempos de juiz, é um jogador frio, não reage na base da emoção. Assim há anos acumula vitórias contra um establishment político que, unido, raramente é derrotado. É uma proeza e tanto.
Daí não causar espanto que Bolsonaro, com a cara limpa, encare os repórteres da Índia e, como se nada tivesse acontecido, proclame loas à gestão de Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública: “O Brasil está indo muito bem, na segurança pública os números demonstram que estamos no caminho certo. É minha máxima, né, em time que está ganhando, não se mexe”. Então a mudança está descartada?, insistiram os repórteres. “Lógico que está descartado. Nem precisava responder. A chance no momento é zero. Tá bom ou não? Tá bom, né”?.
Mesmo com o recuo, algum estrago foi feito. Daí a necessidade de pedir ao presidente em exercício no Brasil, Hamilton Mourão, para chamar Moro ao Palácio do Planalto para por panos quentes na história. Moro nada falou depois da reunião. Mourão disse que não trataram do desmembramento do Ministério da Justiça, mas se disse pessoalmente contra. “Se o presidente perguntar minha opinião, e aliás nó já conversamos, ele sabe que considero que a situação atual que estamos vivendo é um time que está vencendo. Usando aquele velho chavão, time que está ganhando a gente não mexe”. Parece que combinaram até o chavão.
Com todas as escoriações, Sérgio Moro venceu mais um round. Continua, porém, na mira do establishment político. Bolsonaro, Toffoli e Rodrigo Maia, cada qual com seu motivo, não vão desistir de podar as investigações na Lava Jato e em todos os outros inquéritos, inclusive em âmbito estadual, como a apuração sobre a rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Novos embates vão ocorrer.
A conferir.