A edição deste ano de Davos, que marca seus 50 anos, será inevitavelmente mais verde. A discussão ambiental supera o número de sessões previstas para macroeconomia. Muitos ministros de Meio Ambiente participarão do evento – mas não o brasileiro Ricardo Salles
Por Daniela Chiaretti – Valor Econômico
São Paulo e da Cidade do Cabo (África do Sul) – Greta Thunberg antecipou há dez dias o tom de sua participação no Fórum Econômico Mundial, que acontece esta semana em Davos, na Suíça. É a segunda vez que a jovem ativista sueca vai ao principal encontro mundial de chefes de Estado, empresários e executivos do mercado financeiro. “Nossa casa está queimando”, disse a adolescente a uma plateia surpresa com sua retórica, em janeiro de 2019, ano em que grandes incêndios de diferentes origens queimaram a Amazônia, a Califórnia e a Austrália, sempre agravados pela mudança do clima. Desta vez Greta promete tocar no ponto fraco do debate e dizer aos líderes que deixem de investir em combustíveis fósseis. A edição de Davos este ano, o 50º aniversário do encontro, será inevitavelmente mais verde.
Quase três mil participantes são esperados. Muitos virão em jatinhos emitindo grandes volumes de gases-estufa, como bem disse a CNN. Trata-se de uma contradição evidente em encontro onde questões ambientais ligadas à mudança do clima estão entre as cinco maiores preocupações dos líderes pela primeira vez em 10 anos, segundo o relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial feito anualmente pelo Marsh & McLennan e a seguradora Zurich.
Falando em nome da sua geração, Greta publicou um artigo no “The Guardian” onde diz: “Exigimos que no fórum deste ano, participantes de todas as empresas, bancos, instituições e governos interrompam imediatamente todos os investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis, encerrem já todos os subsídios em combustíveis fósseis e deixem de investir imediata e completamente em combustíveis fósseis”. Como se pudesse ser mais clara, seguiu: “Não queremos que essas coisas ocorram até 2050, 2030 ou mesmo em 2021. Queremos que sejam feitas agora, neste exato momento.”
A tendência de empresas, universidades, grupos religiosos, fundos de pensão e de investimento de deixar de investir em combustíveis fósseis é cada vez mais forte. Segundo a 350.org., organização não-governamental fundada em 2007 e que tenta promover um movimento global em busca de soluções para a mudança do clima, existem hoje 1.176 instituições – com ativos que somam US$ 12,02 trilhões – deixando de investir em projetos relacionados a carvão, petróleo ou gás. Grupos religiosos e fundações filantrópicas são a maioria, seguidas por instituições de ensino, governos, empresas e fundos de pensão e fiduciários.
A maior gestora de recursos do mundo, a BlackRock, responsável pela gestão de quase US$ 7 trilhões em ativos, juntou-se na semana passada a uma iniciativa de investidores que quer reduzir emissões e aumentar a transparência em investimentos relacionados a clima, a Climate Action 100+.
O esforço também avança entre governos. A Alemanha anunciou que irá abandonar o carvão até 2038, o que exigirá investimentos de 40 bilhões. Um terço da energia alemã vem do linhito, um tipo de carvão muito emissor.
Os prefeitos Sadiq Khan, de Londres, e Bill de Blasio, de Nova York, iniciaram 2020 pedindo a seus pares em grandes metrópoles do mundo que deixem de investir em combustíveis fósseis em seus fundos de pensão. Além das duas cidades, o exemplo vem sendo seguido por Berlim, Oslo e Estocolmo. Os fundos de pensão destas cidades não registraram impacto negativo na performance de seus portfólios com a decisão de “desinvestir”, conforme o jargão verde.
Este assunto será discutido em março, em Nova York, durante encontro anual do C-40, grupo que reúne os prefeitos das 40 maiores cidades do mundo em busca de futuros urbanos mais sustentáveis.
No Reino Unido, os organizadores do movimento de alunos e professores pelo desinvestimento nas universidades anunciaram que a metade das instituições do país está aderindo ao esforço. Trata-se de uma carteira de mais de 11 bilhões de libras. A lista das universidades incluem Oxford, Cambridge e a London School of Economics.
Até agora são 79 universidades no Reino Unido e duas na Irlanda com compromissos que variam do desinvestimento total em dez anos, como o da Universidade de Glasgow, ao de instituições que prometem deixar de colocar recursos em projetos de carvão ou nas areias betuminosas conhecidas por “tar sands”, ou dizem que irão criar políticas neste rumo.
Julia Peck, que foi coordenadora da Oxford Climate Justice Campaign, diz que o movimento “explodiu” desde 2017. Ela nota mudanças em como estudantes falam sobre seu papel na transição energética. “Mais gente, que dizia não se ver como um ativista pelo clima, está aparecendo em nossas reuniões de desinvestimento”, conta. “Relatam ter mudado de postura de tanto ver a destruição de habitats e comunidades nas notícias”.
A campanha de desinvestimento dos recursos das universidades nasceu nos Estados Unidos, no Middlebury College, em Vermont, há alguns anos, mas o ensino superior americano foi mais lento que o britânico em aderir ao esforço. Julia diz que o movimento nos EUA recebeu impulso em novembro, quando centenas de estudantes, professores e funcionários invadiram o jogo de futebol entre Harvard e Yale pedindo que as universidades retirassem os investimentos em fósseis. A iniciativa teve grande cobertura, apoio de políticos, e a pauta subiu na agenda. A Universidade da Califórnia, com um endowment de US$ 13 bilhões e fundo de pensão de US$ 70 bilhões anunciou o total desinvestimento da carteira. “Algo me diz que em 2020 acontecerá o efeito-dominó do desinvestimento nas universidades dos EUA”, diz ela.
Julia Peck contou sua experiência na campanha de desinvestimento de Oxford durante conferência na Cidade do Cabo, em setembro. O evento reuniu 300 pessoas de 44 países entre ambientalistas, políticos, religiosos e executivos financeiros. Foi a primeira reunião do gênero no hemisfério Sul. O termo desinvestimento foi cunhado nos anos 1960, como maneira de boicotar o regime do Apartheid da África do Sul.
“O desinvestimento está crescendo em todo o mundo porque as gerações mais jovens entendem que, para forçar mudanças radicais a curto prazo, precisam ir onde nosso poder é maior. Somos estudantes com voz em algumas das instituições de pesquisa mais influentes do mundo: se pudermos romper o vínculo entre o ensino superior e a indústria de combustíveis fósseis, as empresas perderão sua licença social e científica para continuar operando”, diz. “Tenho imenso orgulho dos grevistas climáticos que ainda não entraram nessas universidades de prestígio. A mensagem deles é sistêmica e abrangente enquanto a nossa é prática e específica”, continua, referindo-se à geração de Greta. “Eles estão dizendo que precisamos de um sistema econômico inteiramente novo que não dependa da exploração e do crescimento infinito: precisamos mudar tudo”.
No evento, que aconteceu no “Two Oceans Aquarium”, um café da manhã com vista para arraias e tartarugas nadando em um tanque, reuniu líderes de várias religiões relatando sua opção por deixar de investir em fósseis.
“Não podemos continuar queimando combustíveis fósseis como se não houvesse amanhã”, disse Rachel Mash, fundadora do “Green Anglicans”, movimento anglicano que tem crescido em países africanos. “Até porque se continuarmos assim, não haverá mais amanhã”.
Grupos religiosos são o setor mais forte no desinvestimento em fósseis globalmente. “Temos uma questão moral e ética com este tema”, explica o pastor episcopal Fletcher Harper, diretor-executivo da Green Faith, organização internacional de perfil ambiental e religioso que engloba entidades de diferentes crenças. “Não é bom para ninguém ganhar dinheiro se matarmos o planeta”, continua.
A ONG, uma das mais antigas com este perfil, “busca ajudar as comunidades a tornar suas operações mais verdes”, informa o site da organização, que começou inspirada pela Rio 92, a conferência de desenvolvimento sustentável da ONU no Rio de Janeiro, em 1992. No evento na África do Sul havia líderes católicos, protestantes, judeus e muçulmanos.
“O relatório do Fórum Econômico Mundial deixa claro que um dos maiores riscos para a estabilidade econômica do planeta hoje é a mudança climática, mais do que migrações, guerras nucleares ou o colapso da internet”, diz o físico Paulo Artaxo, professor da USP e participante do evento na Cidade do Cabo organizado pela 350.org. “É um reconhecimento por economistas, não por cientistas ou ambientalistas, de que a questão climática já atingiu um nível insuportável na nossa estrutura social, econômica e política, e que precisamos reduzir emissões para garantir um desenvolvimento sustentável”.
O encontro do Fórum Econômico terá o dobro de sessões sobre ambiente do que sobre macroeconomia. Muitos ministros de Meio Ambiente participarão – mas não o brasileiro Ricardo Salles. Oceanos, florestas, plásticos e bioeconomia estarão em foco. Nesta quarta-feira, em debate sobre o futuro sustentável da Amazônia, participarão os cientistas Jane Goodall e Carlos Nobre e o ex-vice presidente dos EUA Al Gore.
A expectativa é que a pauta do desinvestimento permeie debates. Desde 2014 Davos fala nos “stranded carbon assets”, os ativos “podres” ligados aos combustíveis fósseis. A lógica é simples: se governos retirarem subsídios e investirem em políticas públicas com tecnologias limpas, conforme seus compromissos no Acordo de Paris, estes investimentos perderão valor.
“Os gerentes de grandes carteiras estarão reunidos em Davos no contexto de uma emergência climática. Os jovens estão caminhando pelos Alpes em direção a eles, exigindo que tomem medidas”, diz May Boeve, diretora-executiva da 350.org. “Esperamos que muitos sigam a Blackrock e iniciem a rápida saída dos combustíveis fósseis. Eles podem se mover por razões financeiras, por causa da pressão pública sem precedentes ou porque veem que todo mundo está fazendo isso. Mas se moverão.”