Por Mário Vargas Llosa – El País
Há 30 anos, quando caiu o Muro de Berlim, eu estava imerso no turbilhão de uma campanha eleitoral, na qual eu era candidato, e quase não percebi a importância do acontecimento. Dias depois, recebi um envelope sem remetente contendo uma minúscula pedra daquela muralha derrubada pelos cidadãos da Alemanha Oriental, que por muitos anos tive em minha mesa, como símbolo da liberdade.
Foi apenas um tempo depois, quando li o célebre artigo de Francis Fukuyama tomado absurdamente ao pé da letra pelos jornalistas como O Fim da História (algo que nunca pretendeu demonstrar), que fui compreendendo o valor simbólico daquele evento e as extraordinárias ocorrências que, de alguma forma, ele representava: a unificação da Alemanha, o colapso e o desaparecimento da União Soviética, a conversão da China de uma ditadura comunista para uma ditadura capitalista, e, finalmente, o fato de maior transcendência para o mundo inteiro, a morte do maior desafio que a cultura democrática havia enfrentado em toda a sua história: o comunismo. Era isso que o livro (nascido daquele artigo) de Fukuyama estabeleceria com uma perspicácia certeira. É verdade que, em sua justa avaliação das consequências do desaparecimento do comunismo, não indicava que nas democracias, transformadas novamente no único sistema capaz de garantir a liberdade, a convivência na diversidade e o progresso, surgiriam outros demônios destrutivos como o nacionalismo, o racismo, o supremacismo e suas inevitáveis consequências: o terrorismo e a ação direta.
Mas no desaparecimento do comunismo, Fukuyama acertou. Os regimes comunistas que sobrevivem são caricaturas e espantalhos do velho sonho que desencadeou tantas revoluções frustradas, pelas quais milhões de pessoas foram mortas no mundo inteiro. Na América Latina, por exemplo, durante meio século, jovens de um canto ao outro foram para a montanha para construir o paraíso comunista, dando o pretexto ideal para que os regimes militares se estabelecessem e perpetrassem as atrozes matanças que conhecemos. Só agora o continente das esperanças sempre frustradas percebe o quanto estavam equivocados aqueles imitadores de Fidel Castro e seus barbudos. Será que alguém em sã consciência ainda acredita que Cuba, Venezuela, Nicarágua e Coreia do Norte são um modelo a seguir para alcançar a justiça e o desenvolvimento de um país? O punhado de fanáticos que se apegam a essa fantasia delirante são a melhor demonstração da irrealidade em que vivem.
Passei boa parte do ano de 1992 em Berlim, como fellow do Wissenschaftskolleg, um centro de estudos superiores, e fui muitas vezes percorrer o que restava do famoso muro. Lembro-me da explosão ?uma explosão, realmente? de cultura na velha cidade, que ocorria principalmente nas tristes e ásperas ruas da antiga capital da Alemanha Oriental, onde uma multidão de jovens de origens muito diferentes fazia poesia, música, teatro, fundava galerias e rodava filmes, dando à antiga cidade uma vitalidade criativa extraordinária. A liberdade recuperada estava ali e parecia que faria milagres tanto no campo cultural como na vida política. Não foi assim, infelizmente, mas não há dúvida de que Berlim é a cidade mais interessante da Europa, ou talvez do mundo, do ponto de vista da renovação e popularidade das artes e das letras. Graças à queda daquele muro e a tudo o que ela veio a representar, a Alemanha, a Europa e o mundo inteiro estão melhor que naqueles tempos em que a URSS e seus satélites pareciam avançar de uma maneira irresistível sobre o restante da Europa.
O desaparecimento do comunismo não foi obra de seus adversários. Pelo contrário, até a ascensão ao poder da senhora Thatcher no Reino Unido, de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de João Paulo II no Vaticano, os países ocidentais tinham se resignado àquele fantasma, e o doutor Henry Kissinger expressou isso melhor que ninguém, poucos meses antes da queda do Muro, com aquela frase lapidária: “A URSS está aqui para ficar”. Bem, não foi assim. A URSS veio abaixo sozinha, por sua incapacidade de criar aqueles paraísos de igualdade, decência e prosperidade que o marxismo prometia; imersa na pobreza, na corrupção, na ditadura, na delação, e, acima de tudo, como previu Hayek em seu famoso ensaio, pela impossibilidade total do sistema comunista de saber o custo de produção de mercadorias em uma economia que rejeita o livre mercado. Os espectadores da maravilhosa série Chernobyl, na qual, como todos mentiam em seus relatórios, nunca foi possível saber em que consistiu o terrível acidente nem quantas foram suas vítimas, têm uma ideia aproximada das razões pelas quais as sociedades comunistas fracassaram, parece mentira, justamente naquela economia que Marx transformou em parteira da história. O sucesso que tiveram na aplicação do terror e na manipulação de massas também não durou muito; no final, o rechaço frontal de suas vítimas, que chegaram a ser o grosso da sociedade, acabou enterrando o sistema, que sobrevive apenas em certos engendros patéticos da realidade latino-americana e africana.
Olhando em volta, é difícil aceitar que agora estamos melhor que antes. Para confirmar, basta dar uma olhada nos países que se libertaram da órbita soviética, como os bálticos, Polônia, República Checa, Eslováquia, Hungria ou a golpeada Ucrânia, onde o urso russo, agora sob o açoite de Putin e na velha linha autocrática dos czares, resiste a permitir que o país desfrute a liberdade e induziu três províncias a um secessionismo de feitura russa. É precisamente nesses países egressos do comunismo que a democracia se deteriora mais rápido, por um autoritarismo com apoio popular que significa um vaivém lamentável, pois desnaturaliza a democracia e aproxima essas sociedades das velhas ditaduras de triste lembrança.
Não devemos nos render à desesperança. Os sintomas de nacionalismo, que, com diferentes nomes, como o Brexit, por exemplo, ameaçam a cultura da liberdade, não vão acabar com a União Europeia. Esta, apesar dos excessos de burocratismo de que é acusada, continua sendo o projeto mais ambicioso e realista de um futuro no qual o berço da liberdade que é a Europa esteja presente ao lado dos gigantes chinês e norte-americano. Nela a democracia se nutre, mais que em qualquer outro lugar, desses conteúdos sociais indispensáveis para que a liberdade, as eleições e a imprensa livre não apareçam como fenômenos solitários em sociedades profundamente divididas pela desigualdade econômica, e para que exista uma certa igualdade de oportunidades em seu seio. O nacionalismo é um câncer, como demonstraram o nazismo e o fascismo, é uma tara muito antiga da qual, pelo visto, nem as sociedades mais cultas e avançadas estão a salvo, e deve ser enfrentado como inimigo natural da liberdade, como fonte do terror e do racismo em que a liberdade acaba sempre perecendo. Que o diga a Espanha, por exemplo, onde o secessionismo catalão semeou o caos em um país que tinha surpreendido o mundo, após a morte de Franco, graças a uma transição em que direita e esquerda deixaram de lado parte de seus ideais para salvar a coexistência. Agora esse pacto está quebrado, por culpa do nacionalismo, e o futuro da Espanha é incerto. Menos mal que pertencer à União Europeia a impede de se precipitar em uma desordem política semelhante à produzida pela Guerra Civil e pela ditadura franquista.