Carlos Newton
Há um ditado que diz: “Depois dos 40 anos, não se deve acreditar em coincidências”. Realmente, há certos fatos que têm de ser observados com toda atenção, especialmente na política, para que possamos encontrar as justificativas certas, sem aceitar que tudo tenha ocorrido por coincidência. É o caso, por exemplo, da liminar impetrada pela defesa do senador Flávio Bolsonaro e generosamente acolhida pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli.
Se o ministro não tivesse acatado essa liminar, que suspendeu abruptamente todos os inquéritos e processos abertos com base em relatórios do antigo Coaf, da Receita Federal e do Banco Central, não teria se concretizado o pacto entre os Poderes. Portanto, o presidente Bolsonaro estaria livre para protestar contra as irregularidades dos “garantistas” do Supremo, que transformaram o Brasil no paraíso da impunidade.
Infelizmente. Bolsonaro está refém do pacto da impunidade e não pode criticar o Supremo ou o Congresso. Pelo contrário, tem de fazer cara de paisagem, como se diz hoje em dia.
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A CRONOLOGIA DO CASO DAS RACHADINHAS
Para entender o que realmente vem acontecendo e em que ponto estava o inquérito sobre Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, vamos conferir a cronologia do caso, oportunamente publicada pelo jornal O Globo.
Relatório do Coaf aponta movimentação atípica
No fim de 2018, o Coaf apontou “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão, em 2016 e 2017, nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Oito assessores do ex-deputado estadual transferiram recursos a Queiroz em datas próximas ao pagamento de servidores da Alerj. Segundo o Coaf, Flávio recebeu 48 depósitos no valor de R$ 2 mil.
Queiroz e Flávio faltam a depoimentos
Após faltar a quatro depoimentos ao MP, alegando problemas de saúde, Queiroz afirmou, em dezembro de 2018, que a “movimentação atípica” revelada pelo Coaf teve origem na compra e venda de veículos. Em janeiro, Flávio Bolsonaro também não prestou depoimento, argumentando que iria marcar uma nova data após ter acesso ao caso.
Ministro nega pedido de Flávio contra investigação
Em janeiro, no recesso do STF, o ministro Luiz Fux suspendeu as investigações temporariamente, a pedido de Flávio. Em fevereiro, Marco Aurélio revogou a decisão e autorizou o MPRJ a continuar com a apuração. Flávio havia pedido a transferência do caso para o STF e a anulação de provas.
Flávio e mais 26 são investigados na área cível
Em entrevista coletiva, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, afirmou que Flávio Bolsonaro e os outros 26 deputados estaduais com assessores citados em relatório do Coaf são alvo de investigações na área cível.
Pagamento de R$ 64 mil em dinheiro vivo
Em fevereiro, Queiroz pagou em espécie R$ 64,58 mil por uma cirurgia ao hospital israelita Albert Einstein , em São Paulo. Ele foi internado na unidade em janeiro, quando retirou um câncer no cólon. Desde que recebeu alta, nunca se soube o valor das despesas pagas pelo procedimento(Leia Mais)
Queiroz reconhece devolução de salários
Em março, Queiroz admitiu, em depoimento, que os valores recebidos por servidores do gabinete eram usados para “multiplicar a base eleitoral” de Flávio. Um ex-funcionário afirmou que repassava quase 60% do salário. O MP não encontrou evidências de que o fluxo bancário de Queiroz teve origem no comércio de carros.
Quebra de sigilo bancário é autorizada
A pedido do MP, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou, em abril, a quebra de sigilo bancário de Flávio e de Queiroz para o período de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. A medida se estende a seus respectivos familiares e a outros 88 ex-funcionários do gabinete do ex-deputado estadual, seus familiares e empresas relacionadas a eles.
Empresa e sócio têm quebra de sigilo suspensa
Em 20 de junho, a Justiça do Rio decidiu suspender a quebra de sigilo da empresa MCA Participação e Exportações e de um de seus sócios, Marcelo Cattaneo Adorno. Ambos integravam a lista dos 95 alvos da investigação do Caso Queiroz, que sofreram quebra de sigilos.
Negada liminar para suspender quebra de sigilo
Em 26 de junho, o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, do Tribunal de Justiça do Rio, negou pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro para suspender a quebra de sigilo feita a pedido do MP-RJ.
Novos alvos do gabinete têm sigilos quebrados
Em 28 de junho, a 27ª Vara Criminal do Rio autorizou a quebra dos sigilos de mais oito pessoas ligadas ao antigo gabinete de Flávio. A decisão ocorreu dois meses após a quebra dos sigilos de outras 86 pessoas e nove empresas ligadas ao antigo gabinete do filho do presidente. (Leia mais)
Toffoli suspende todas as investigações com Coaf
Em 16 de julho, o ministro Dias Toffoli, do STF, suspendeu inquéritos e processos judiciais em que dados bancários de investigados tenham sido compartilhados por órgãos de controle sem autorização da Justiça. Trata-se de resposta a um pedido de Flávio que pode beneficiá-lo no Caso Queiroz.
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CONCLUSÃO SOBRE A COINCIDÊNCIA DA LIMINAR
Quando o ministro Dias Toffoli concedeu a liminar salvadora, na calada do recesso judiciário, estendendo a blindagem a todos os investigados com base em relatórios do Coaf, da Receita e do Banco Central, ele protegeu não apenas Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, mas também a si próprio e ao amigo Gilmar Dantas, cujas mulheres estavam sendo investigadas por movimentações atípicas e/ou inconsistências nas declarações de renda e patrimônio.
Parece coincidência, mas quem acredita em coincidência após os 40 anos? A cronologia mostra que o inquérito sobre as rachadinhas estava maduro e inevitavelmente seria aberto processo contra o filho mais velho de Bolsonaro e seu fiel ex-assessor. Foram salvos na undécima hora, pela generosidade (?) de Toffoli.
Na próxima quarta-feira, dia 20, o plenário do Supremo decidirá o mérito da decisão de Toffoli. Se confirmar a liminar, o resultado será o arquivamento das ações já ajuizadas e de todos os inquéritos, além da proibição de novas investigações de falcatruas, simplesmente porque não existe a menor possibilidade de ocorrer prévia autorização judicial.
QUESTÃO LÓGICA – No Brasil e no mundo, o esquema funciona assim: primeiro, a autoridade financeira identifica evidência de sonegação, lavagem de dinheiro, corrupção, improbidade administrativa ou enriquecimento ilícito. Depois. encaminha as informações ao Ministério Público, que então solicita autorização judicial para abrir inquérito e quebrar sigilos.
Não existe outra forma de atuar contra crimes financeiros. Exigir prévia autorização de juiz é uma espécie de Piada do Ano, porque a decisão de Toffoli deve partir do princípio de que qualquer magistrado possuiria uma bola de cristal ou um baralho de tarô para lhe indicar o nome dos possíveis autores de crimes financeiros, para que a investigação seja aprovada.
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P.S. 1 – O julgamento do dia 20 será um dos mais importantes da História deste país, mas a imprensa nem toca no assunto. Esse esquecimento seria apenas coincidência.
P.S. 2 – Conforme avisamos diversas vezes aqui na TI, o pacto entre os três Poderes não passaria despercebido pela OCDE e pelas instituições internacionais de combate à corrupção, notadamente o Gafi. Eles monitoram atentamente o Brasil desde a absurda aprovação da Lei de Abuso da Autoridade. Bolsonaro e Guedes sonham em filiar o Brasil à OCDE e nesta quarta-feira o ministro até se vangloriou de estar conseguindo esse intento. Mas vem acontecendo exatamente o contrário e o Brasil está entrando na lista negra da OCDE, por ter se tornado o paraíso da impunidade no combate à corrupção. Apenas isso. (C.N.)