Fábio Zanini
Folha
A possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro recorrer às assinaturas digitais para conseguir o mínimo de adesões exigido pela lei para criar um novo partido político esbarra em dificuldades técnicas.
Em manifestação de abril deste ano, a assessoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admitiu esta possibilidade, mas determinou que as assinaturas sejam validadas por meio de certificação digital, um instrumento ainda pouco disseminado no país.
COMPROVAÇÃO – “Entende esta assessoria que não há óbice legal ao uso facultativo da assinatura eletrônica certificada digitalmente para comprovar o apoiamento à criação de nova legenda partidária, uma vez que estaria garantida a autenticidade da assinatura do eleitor”, diz o parecer da assessoria, em resposta a uma consulta feita pelo Movimento Brasil Livre (MBL) em dezembro do ano passado.
Segundo o parecer, a utilização de assinaturas eletrônicas certificadas digitalmente tem validade jurídica reconhecida. O movimento, que tem grande capilaridade em redes sociais, perguntou ao TSE se poderia agilizar a coleta de assinaturas de forma digital, em vez de ter de recorrer apenas ao expediente tradicional de reunir esses apoios por meio de formulários preenchidos a mão.
A lei exige que, para a criação de um partido político, sejam apresentadas as assinaturas de 0,5% do total de votos válidos para a Câmara dos Deputados na eleição anterior. Com base no pleito de 2018, esse número é de 491.967 assinaturas, que devem estar distribuídas por ao menos nove estados.
VALIDAÇÃO – Além disso, é preciso que tenham sido recolhidas em cada um dos estados assinaturas equivalentes a no mínimo 0,1% do eleitorado que tenha votado. Essas assinaturas precisam ser checadas e validadas por cartórios eleitorais, num processo que costuma ser lento e exige, na prática, que os partidos as recolham em excesso, para compensar as que são desqualificadas.
Em regra, as legendas costumam apresentar um número próximo de 1 milhão de assinaturas. O prazo para que todo esse processo seja concluído é de dois anos, mas Bolsonaro na prática tem bem menos tempo do que isso. Seu objetivo é ter a legenda pronta para a eleição municipal de 2020, e para isso ela precisa estar criada com no mínimo seis meses de antecedência, ou seja, até o início de abril.
ALIANÇA – Bolsonaro, em guerra com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, optou pela criação de um novo partido, em vez de tentar entrar num já existente. O nome provisório da legenda planejada é Aliança Pelo Brasil, que poderia contar com metade da bancada de 53 deputados do partido pelo qual o presidente se elegeu.
O objetivo, com isso, é aproveitar uma brecha na legislação para que deputados mantenham seus mandatos com a mudança para a legenda nova. O partido criado também buscaria junto ao TSE contar com o tempo de TV e o fundo eleitoral proporcional dos deputados que fizerem a migração.
APLICATIVO – A exigência de certificação digital torna difícil a ideia de criar um simples aplicativo para recolher as assinaturas, que está em cogitação pela equipe de Bolsonaro. Procurado, o ex-ministro do TSE Admar Gonzaga, que está à frente do projeto, não quis se manifestar.
A consulta feita pelo MBL está a cargo do ministro Og Fernandes, que a remeteu ao Ministério Público Eleitoral no último dia 4 de novembro. Ainda não houve manifestação da Procuradoria, nem prazo para uma decisão de Fernandes.
Segundo Rubens Nunes, advogado do MBL, o ministro, em conversa em junho, disse que não via o pedido como uma questão jurídica, apenas técnica. E declarou que a manifestação da assessoria vai embasar sua decisão. Fernandes não se manifestou.
BIOMETRIA – “A certificação digital torna as coisas complicadas. Uma alternativa que pensamos em sugerir é que as assinaturas sejam colhidas com uso do sistema do título de eleitor eletrônico”, afirmou Nunes. Esse sistema checa a identidade do eleitor com uso da biometria, o que tornaria o processo bem mais ágil.
O requisito de certificação digital foi um dos fatores que levaram o MBL a perder entusiasmo, ao menos por enquanto, diante da ideia de formar seu próprio partido. “Assinatura eletrônica com certificado digital não faz muita diferença [com relação ao método tradicional]”, afirma Renan Santos, coordenador nacional do movimento.
CERTIFICAÇÃO – Segundo dados da Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), há atualmente no Brasil 3,78 milhões de pessoas físicas que possuem certificado digital, o que equivale a apenas 2,58% do eleitorado.
Obter a certificação tem custo, variando em média entre R$ 50 e R$ 70 ao ano, segundo a ANCD. Os certificados valem por períodos de 1 a 5 anos, dependendo da modalidade. A certificação foi criada em 2001 e baseia-se no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro. Segundo a ANCD, há 17 autoridades certificadoras, entre entidades e empresas públicas e privadas.