Carlos Newton
Há cerca de dois anos, quando começou essa ofensiva de determinados ministros do Supremo para impedir prisão após segunda instância, o jornalista Merval Pereira, de O Globo, divulgou a informação de que, entre os 193 países que integram a ONU, apenas um deles determina que o cumprimento da pena somente ocorra após julgamento de recurso em terceira instância, conforme pretendem os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
Esses cinco ministros, que dependem apenas de mais um voto para consagrar a ultrapassada e jurássica “tese jurídica” , simplesmente resolveram ignorar a jurisprudência do STF e passaram a libertar os criminosos ainda não condenados em terceira instância (Superior Tribunal de Justiça), embora o recurso especial ao STJ nem tenha efeito suspensivo. Alegam preservar o direito a mais ampla defesa, mas na prática estão assegurando é a impunidade de criminosos de todo tipo, inclusive os integrantes das facções criminosas que costumam degolar os inimigos.
REGRA MUNDIAL – Recente matéria de Mariana Schreiber, na BBC Brasil, mostra que a informação de Merval Pereira está correta, porque a regra internacional é a prisão após a condenação em segunda instância, antes de esgotados os recursos .
Na matriz USA, por exemplo, o sistema é muito mais rigoroso do que na filial Brazil. “Mais de 90% dos réus são presos já na primeira instância, mas não porque foram condenados, e sim porque aceitaram acordo para se declararem culpados”, explicou à BBC Brasil o professor James B. Jacobs, especialista em Direito Penal da Universidade de Nova York. Com isso, abrem mão de recursos.
Os réus que não fazem acordo e são condenados em primeira instância também aguardam presos pelo julgamento em instâncias superiores. “Podem solicitar suspensão da sentença enquanto seu recurso é julgado, mas raramente isso é atendido”, ressalta Jacobs.
OUTROS PAÍSES – Especialista em Direito Penal Comparado, o professor Auke Willems, da London School of Economics, disse à BBC Brasil que o sistema britânico também costuma resolver a maioria dos casos criminais com acordos, “um modelo altamente eficiente para lidar com sistemas legais sobrecarregados de processos”.
Nos sistemas penais da Europa continental, a pena também é cumprida depois de esgotados os recursos na segunda instância. No caso da Holanda, país de origem de Willems, ele explica que só há três instâncias, sendo que a última, a Suprema Corte, julga apenas aplicação de lei e não é acionada com frequência. Ou seja, o réu vai preso depois de condenado em segunda instância, como no Brasil.
OUTROS EXEMPLOS – Em Portugal e muitos outros países também só há três instâncias A execução da pena, portanto, se inicia depois de condenação em segunda instância. Apenas crimes graves, com pena maior de oito anos, chegam ao Tribunal Constitucional, a última instância na Justiça portuguesa.
Na Alemanha, igualmente, é comum que o processo transite em julgado após decisão na segunda instância, porque crimes considerados graves, como homicídio, nem passam pela primeira instância, cabendo apenas recurso para a corte superior.
Já na França, onde também só há três instâncias, recursos para a Suprema Corte não têm efeito suspensivo sobre a pena, o que significa que condenações em segunda instância levam à prisão.
QUATRO INSTÂNCIAS – Enquanto isso, aqui na filial Brazil há quatro instâncias possíveis de julgamento. Primeiro, nas varas criminais (ou tribunal do júri), e depois, nos tribunais estaduais ou regionais federais, em que são analisados os fatos concretos e provas. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo julgam se a lei foi corretamente aplicada nas instâncias inferiores, podendo absolver condenados se houver ilegalidades no processo.
Na prática, porém, recursos ao Superior Tribunal de Justiça só servem para ganhar tempo, prosseguir a impunidade do réu e possibilitar a prescrição do crime, por decurso de prazo, como aconteceu recentemente com o senador Jader Barbalho (MDB-PA).
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P.S. 1 – As estatísticas do STJ não deixam margem a dúvidas. Em um total de 68.944 recursos contra condenações na segunda instância, menos de 1% dos réus foram absolvidos. Para sermos mais exatos, somente 0,6% tiveram seus recursos deferidos. Isso demonstra que a campanha para impedir o cumprimento da pena após segunda instância tem apenas objetivo de garantir a impunidade de criminosos de elite, que podem pagar honorários a advogados de griffe, digamos assim, para aguardar tranquilamente a prescrição.
P.S. 2 – Esse excelente levantamento de Mariana Schreiber, na BBC Brasil, mostra que impedir o cumprimento da pena após segunda instância será um retrocesso medieval no Direito brasileiro. E o resto é folclore, como diria nosso amigo Sebastião Nery. (C.N.)