Jorge Béja
Nesta quarta-feira (2/10) o plenário do Supremo Tribunal Federal fará o arremate final dispondo sobre a chamada “modulação” dos efeitos da decisão que reconheceu ser direito do delatado se manifestar no processo, em alegações finais, somente após à manifestação do delator. Resolverão os ministros se a decisão alcança, generalizadamente, todos os processos da Lava Jato, operações congêneres e todo e qualquer processo em que sobrevieram sentenças decorrentes de delação premiada (1); se beneficia apenas os réus condenados em tais processos e que tenham, desde a sentença, protestado pela observância da ordem da apresentação das alegações finais que o STF, somente anos depois, disciplinou (2); se beneficia quem foi condenado e comprovar que sofreu prejuízo por não ter entregue as alegações finais depois que o delator entregou as suas (3); ou se a decisão gera apenas efeitos “ex nunc“, termo latino que quer dizer “para o futuro”, isto é, para frente, sem alcançar os processos já sentenciados, definitivamente já encerrados ou ainda em fase recursal (4). Não se prevê uma 5ª hipótese.
Desde logo faz-se esta indagação: por que modular? Por que fixar limites dos efeitos a respeito de uma única só e pioneira decisão jurisprudencial do STF?. Não é isso que diz a lei, quando trata de modulação.
A CONFERIR – “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica” ( Artigo 927, parágrafo 3º do Código de Processo Civil ).
A decisão que o STF nesta quarta-feira vai modular alterou outra ou outras sobre o mesmo tema e proferida(s) pela mesma Corte?. Trata-se de caso repetitivo? A resposta às duas perguntas é negativa. Portanto, a modulação que os ministros vão determinar não encontra amparo no Código de Processo Civil (CPC). E com este conflita, sob todos os ângulos e todos os sentidos. E nem se diga que sendo matéria penal o CPC não se aplica. Se aplica, sim. Eis o que dispõe o artigo 3º do Código de Processo Penal: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”. Aí está, portanto, o primeiro motivo para que não haja modulação, aplicando-se a nova decisão do STF, a respeito de quem fala primeiro em alegações finais no processo penal em que houve delação premiada, apenas àquele caso julgado. Não se pode modular o que a lei não autoriza seja modulado.
O debate da sessão desta quarta-feira no plenário do Supremo Tribunal Federal promete ser demorado e o resultado final bastante apertado. Mas ainda que não seja para o bem da Nação, da moralidade pública, do combate à corrupção, do fortalecimento do Ministério Público e do próprio Judiciário.
MAL MAIOR – Ainda que não seja para o bem do povo brasileiro, é de se reconhecer que um mal maior pode ser proclamado nesta quarta-feira. E se tanto ocorrer, será constitucionalíssimo, para a desgraça da Nação, da Lava Jato, das pessoas de bem, e de todos outros valores que o país precisa resgatar e que a corrupção destruiu.
Explica-se: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é lei? Não. Jurisprudência, seja de que tribunal for, é fonte de Direito. Mas sendo ela – a jurisprudência – expedida pela Suprema Corte, e neste caso concreto com tanto empenho, vigor, determinação e com o propósito de enfraquecer a Lava Jato, como está sendo dito, a esta nova e única jurisprudência (que até vai ser modulada, sem que a lei assim autorize), o plenário do STF pode lhe emprestar efeito vinculativo. Ou seja, obrigatório para todo o Judiciário.
E se tanto ocorrer, todas as sentenças condenatórias fundadas em delação premiada, sem que tenha sido observado o novo rito — o de que o delatado, nas alegações finais só fala depois que o delator falar —, todas as sentenças estarão explicitamente anuladas. E os processos voltarão à primeira instância para a repetição da sua última etapa, que é a das alegações finais, seguindo-se o proferimento de outra sentença, outros recursos…E tudo recomeça de novo, caso a pena prevista em lei não esteja atingida pela prescrição.
BENEFICIAR O RÉU – Que desgraça! Que desapontamento!. Que fracasso! Por que a desgraça será “constitucionalíssima”? Porque a Constituição Federal ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais, dispõe que “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (Artigo 5º, XL).
Ora, se a lei penal só retroage para beneficiar o réu, por que não retroagirá esta nova jurisprudência do STF que disciplina a ordem de quem fala primeiro e quem fala depois, em alegações finais, nos processos em que figuraram delator(es) e delatado(os)?. Basta o plenário da Suprema Corte querer e assim resolver.
Daí porque o STF, nesta quarta-feira, poderá decidir que estão anuladas todas as sentenças proferidas em tais processos, fazendo voltar tudo à primeira instância, o que importará na libertação de réus condenados, caso não estejam eles recolhidos ao cárcere por outra ou outras condenações. Esta é a desastrada decisão que o plenário do STF pode adotar nesta quarta-feira contra o combate à corrupção. Espera-se, do bom-senso e do patriotismo, que isto não aconteça.