Pedro do Coutto
A grande atriz Fernanda Montenegro, com suas inúmeras personagens em 70 anos de teatro, cinema e televisão, interpretou, iluminou e traduziu não apenas os personagens, mas também as quatro contradições humanas, a meu ver: existência e eternidade; matéria e espírito; capital e trabalho; um sinal de mais contra um sinal de menos.
São sete décadas de arte e 90 anos de idade, mantendo a cabeça jovem, superando descontentamentos e, a cada dia, renovando a verde esperança que impulsiona sua mente e seu coração.
DESTAQUE TOTAL – Os quatro grandes jornais do país destacaram sua vida e suas marcantes atuações vivendo e abrindo sua própria personalidade, dando voz as personagens nos palcos do tempo.
Me chamou atenção o texto de Danilo Thomaz, edição do Valor de sexta-feira. Representou um reencontro da atriz que também atuou com sua própria realidade combatendo nos limites do possível a ditadura político-militar que dominou o país durante 21 longos anos.
Creio que se possa aplicar a Fernanda Montenegro a frase clássica do Belo Brumel ao Lorde Byron: “Uma das melhores coisas da vida, Byron, é sua presença nela”.
FACES E EMOÇÕES – Estendo a ela a imagem plena do reconhecimento da atriz cuja trajetória está plena de faces e emoções. Tenho a impressão que viajava com as personagens, dando-lhes voz e vida. Ela e suas personagens formam um belo elenco. No final das peças e filmes e também das novelas da televisão, ela resguardou no museu de sua alma, mas nunca deixou de ser a si mesma.
A emoção na sua figura humana me vem à lembrança quando recentemente dirigiu no “Fantástico” uma série de peças de Nelson Rodrigues, seu amigo, e que era mais um gênio que travou no teatro e na literatura uma luta contra contestações de parte dos que se julgando moralistas, tentaram se opor as suas obras.
ARTE E VIDA – Não se pode separar arte da vida. Ninguém escreveu nada que não tenha acontecido. O jogo das situações e formas são outra coisa. Mas esta é outra questão. Fernanda Montenegro continua firme no palco do tempo. Pensamento jovem mantém sua presença nas peças, nos filmes e na televisão. Seu coração, esse órgão propulsor, como no verso de Noel Rosa, dá as mãos ao seu pensamento, incorporando as personagens à sua história.
Mas falei nas contradições humanas: existência e realidade que buscam saída na religião; matéria e espírito que nos unem a Deus, entretanto os apelos a Deus não são dirigidos ao universo divino, mas sim à superação de problemas humanos, e Deus deve receber mais de um bilhão de pedido a cada dia; Capital e trabalho que não conseguem traçar uma linha de integração social. No caso brasileiro, a corrupção.
Finalmente algo que pode sintetizar tudo. Um sinal de mais contra um sinal de menos, inclusive na arte que tem em Fernanda Montenegro uma de suas grandes e eternas intérpretes.