Ricardo Galhardo e Mateus Fagundes
Estadão
Duas semanas depois de ser demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, não escondeu o incômodo com a chamada ala ideológica do governo, a qual se atribui sua queda, e criticou o uso das redes sociais por integrantes do governo.
Na avaliação do ex-ministro, o uso indevido das redes sociais para falar sobre temas menores acaba por encobrir as realizações do governo. “A gente percebe que, queira ou não queira, a mídia social cria uma agitação que às vezes esconde esses pontos que poderiam ser mais destacados”, afirmou. “Tem que falar menos, tuitar menos. Não é nem menos, é de uma forma mais positiva”, completou.
REDES SOCIAIS – Em entrevista aos jornalistas Daniel Bramatti, do Estado, e Julia Duailibi, da GloboNews, no 14º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), se recusou a sequer mencionar o nome do escritor Olavo de Carvalho, a quem é atribuída sua fritura.
Santos Cruz revelou que, na função de ministro, chegou a falar com o presidente sobre a necessidade de um uso mais controlado das redes sociais. “Uma vez ou outra, sobre casos específicos, a gente conversou”.
“Não vou discutir sobre essa personalidade pública porque teria que baixar muito o nível do meu palavreado”, disse o general da reserva sobre Olavo de Carvalho. Perguntado sobre a influência no governo do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, Santos Cruz reagiu com ironia. “Não vou falar. O pessoal já sabe”, respondeu, arrancando risos da plateia.
‘GOLDEN SHOWER’ – Perguntado sobre o episódio em que Bolsonaro usou o Twitter durante o carnaval para divulgar um vídeo em que dois homens praticavam “golden shower”, o general respondeu: “aquele foi um dos episódios que chamou atenção para o melhor uso da tecnologia”.
Santos Cruz disse ter uma visão positiva sobre o uso das redes sociais por autoridades. Segundo ele, a ferramenta eliminou intermediários e permite o interação direta entre governantes ou candidatos e o eleitorado. O ex-ministro, no entanto, chamou atenção para o uso das redes para fins indevidos como a propagação de notícias falsas.
“Os irresponsáveis estão vivendo momentos de glória”, afirmou. Santos Cruz citou como exemplo a divulgação de uma suposta mensagem, segundo ele falsa, na qual faria críticas a Bolsonaro e elogios ao vice, Hamilton Mourão. A falsa mensagem, usada para desgastá-lo junto ao presidente, de acordo com ele, revela o “comportamento de gangue” das hordas que usam as redes para tumultuar o processo político.
FAKE NEWS – Falando a uma plateia de jornalistas e estudantes de jornalismo, Santos Cruz disse que a imprensa hoje tem que redobrar seus esforços para combater as fake news.
Para Santos Cruz, ao embasar suas ações no humor das redes sociais, o governo corre o erro de reproduzir distorções. Ele comparou a situação ao “assembleísmo” da esquerda. De acordo com o general da reserva, existe hoje uma espécie de “assembleísmo digital”.
O ex-ministro evitou associar as Forças Armadas ao governo. Segundo ele, apesar da grande presença de militares na Esplanada, nunca houve apoio institucional ao governo ou ao então candidato Bolsonaro.
‘FANATISMO’ – Santos Cruz refutou o risco de ruptura democrática mas alertou para a necessidade de “harmonia” entre o Executivo e os demais poderes, especialmente o Legislativo. “O risco é não saber usar as regras da democracia”, afirmou.
De acordo com ele, “o fanatismo, tentar se comportar ideologicamente, tira qualquer capacidade de análise”. “Em seis meses de governo, o que vi de dinheiro ser desperdiçado pelo ralo…”, disse o general, sem dar detalhes.
Santos Cruz também não deu detalhes sobre sua saída do ministério. Ele disse que Bolsonaro nunca disse qual foi o motivo da demissão. Segundo ele, no dia da saída o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, falou na antessala do gabinete do presidente que Bolsonaro ofereceria uma outra função, mas ele recusou.
“Não sei o motivo”, disse o general. E usou um verso da música “Garçom”, sucesso de Reginaldo Rossi, para ilustrar sua demissão. “Garçom, no bar todo mundo é igual. Meu caso é mais um, banal”.