Freio na política de estímulo à produção e distribuição do audiovisual abala setor que emprega 330 mil trabalhadores no país
Uma atividade que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), gira R$ 20 bilhões anuais, paga R$ 1 bilhão em impostos e emprega mais de 300 mil pessoas certamente merecerá a atenção de um governo responsável, seja ele de direita, centro ou esquerda.
A esse governo, interessará que os produtos dessa indústria corram o mundo e sejam consumidos no mercado exterior, que paga em dólar e euro, o que significará mais impostos para o Estado e mais empregos para a população.
E mesmo um governo de orientação liberal na economia haverá de reconhecer que, frente à competição muitas vezes desleal com produtos importados, uma indústria nacional de tal porte precisa de incentivos, fiscais ou regulatórios, que lhe garantam sobrevivência e crescimento. Isso interessa não só aos produtores dessa indústria, mas sobretudo ao governo, que assim mantém os empregos e as divisas geradas pela indústria.
O que é lógico e racional, contudo, parece fugir à percepção dos gestores da política cultural do governo Bolsonaro, principalmente no que toca ao cinema nacional, a indústria que ostenta os números apresentados nos parágrafos anteriores.
Por uma briga de egos na Agência Brasileira de Promoção de Eventos e Investimentos (Apex), que aloja a bolsonarista Letícia Catelani, cineastas brasileiros podem ficar de fora de importantes festivais internacionais de cinema como Cannes, Sundance e o festival de Berlim. Estes eventos são tidos como a porta de entrada dos filmes no circuito mundial.
Catelani é favorável ao fim da agência de promoção Cinema do Brasil, financiada pela Apex e responsável por intermediar o contato de produtores brasileiros com os grandes festivais. Para a Variety, revista estadunidense especializada em cinema, foi graças a essa agência de promoção que a indústria cinematográfica brasileira, “antes focada no mercado interno, se tornou uma força internacional”.
Em outra frente, Bolsonaro anunciou que a Petrobras deixará de patrocinar a produção de filmes e festivais nacionais com palestras e exibições.
Por fim, uma decisão recente do Tribunal de Contas da União (TCE) ameaça paralisar o funcionamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine), principal financiadora de projetos audiovisuais no país.
Em um balanço da própria agência, as políticas de fomento ao setor, que agora perigam acabar, deram resultados positivos: em 2002, foram lançados 29 filmes nacionais; em 2017, 160. Já a produção independente brasileira na TV paga cresceu 30% entre 2013 e 2017, graças também a leis que garantiram espaço aos produtos brasileiros nas grades de programação da TV paga.
Antipolítica cultural
Ao contrário de outros setores da economia, as salas de cinema no Brasil vêm obtendo públicos recordes de ano a ano. Em 2014, 155 milhões de expectadores compraram ingressos, e em 2016 foram 184 milhões.
O que significa, nesse cenário, o fim da política de fomento? É provável que o número de expectadores siga em alta; o que irá mudar serão os filmes a serem exibidos, e para onde irá o dinheiro – e os empregos.
Uma mostra dessa nova realidade já está presente nos cinemas brasileiros. O filme “Vingadores: ultimato” estreou em 2.700 das 3.300 salas do país, ocupando 80% do circuito e deixando quase sem lugar títulos nacionais como “Cine Holliúdy 2”, uma surpresa de público no Nordeste, e “Bacurau”, prestigiado filme que disputa neste ano o prêmio principal em Cannes.
Tal situação seria impossível até o fim do ano passado, quando a Ancine ainda tinha algum respaldo junto ao governo. Isso porque uma norma da agência, que proibia um único filme de ocupar mais de 30% das salas de um mesmo cinema, foi derrubada pela Justiça Federal.
Como comparou o crítico José Geraldo Couto, no Blog do Instituto Moreira Salles, “Vingadores” ocupou, em Portugal, 20% das salas, e 27% na Alemanha, possibilitando que filmes produzidos nesses países também fossem exibidos nos cinemas.
Para Juca Ferreira, secretário de Cultura de Belo Horizonte e ex-ministro de Lula e Dilma, Bolsonaro faz a “política da terra arrasada” por vingança aos profissionais do setor, contrários ao seu governo. “Podemos dizer, sem dramas, que estamos caminhando para o fim da contribuição do Estado para o desenvolvimento cultural do Brasil”, disse, em entrevista ao portal Arte Brasileiros.