O ministro Dias Toffoli durante julgamento sobre se casos de caixa 2 ligados a outros crimes devem ir à Justiça Eleitoral, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF) – 14/03/2019 (Fátima Meira/Futura Press/Folhapress)
O STF é a última cidadela de um establishment político-institucional que, embora moralmente arruinado, luta para sobreviver – mais que isso, manter seu status quo e as regras que o sustentam.
Esse establishment, sem a exceção de nenhum dos poderes, foi gradualmente desmascarado pela operação Lava Jato, que levou à cadeia figurões da política e do meio empresarial. Os maiorais.
Expôs as relações incestuosas entre o público e o privado e a transgressão contínua, quase rotineira, a uma cláusula pétrea constitucional segundo a qual “todos são iguais perante a lei”.
Millôr Fernandes, décadas atrás, dizia que alguns são mais iguais.
Atualizando-o, pode-se dizer que lutam – e o STF é a trincheira final – para que essa igualdade desigual seja preservada.
A Lava Jato expôs as vísceras desse sistema e, ao fazê-lo, despertou o ânimo da população, que se insurgiu em sucessivas manifestações de rua – as maiores da história – denunciando sua índole corrupta e subversiva, clamando por sua remoção.
O impeachment de Dilma Roussef foi a consequência inicial e a eleição de Bolsonaro a continuidade desse processo (que não cessou). A população, em sua maioria, viu nele o candidato que melhor expressava o sentimento anti-establishment.
A hostilidade da mídia e do coronelato cultural a seu nome, que precede a posse e acompanha cada um de seus atos, apenas os inclui, na percepção do público, entre os que resistem às mudanças, merecedores, eles sim, do estigmatizado rótulo de reacionários.
Nada simboliza mais essa degradação institucional que o encarceramento, a partir de juízes de primeira instância, de um ex-presidente da República, Lula, ao lado de ex-governadores (quatro do Rio de Janeiro e um do Paraná), ex-deputados (inclusive um ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha), ex-senadores, ex-ministros.
Ao lado deles, os donos das maiores empreiteiras do país, algumas ostentando o rótulo de multinacionais, com tentáculos estendidos a outras nações e continentes. E a fila não acabou.
Aguardam nela, em face dos mesmos delitos, outros figurões, entre os quais, dois ex-presidentes – Dilma Roussef e Michel Temer -, parlamentares com mandato, banqueiros e… juízes.
O ex-governador Sérgio Cabral, condenado (até aqui) a mais de um século de cadeia (o que o obrigará a retornar a Bangu na próxima encarnação), resolveu abrir o bico e chegar ao pessoal da toga.
No Senado, prepara-se uma CPI para investigar o Judiciário e acaba de ser impetrado mais um pedido de impeachment contra Gilmar Mendes (há outros, contra Dias Toffolli, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski). No Congresso, há ainda um pacote anticrime, do ministro Sérgio Moro, que, entre outras coisas, fortalece o combate à corrupção nos altos escalões do Estado.
Diante disso, não surpreende a decisão do STF de remeter ao TSE os crimes de corrupção que possam, de algum modo, apresentar um viés eleitoral. Nocaute à Lava Jato: quase todos os enquadrados por ela alegam caixa dois para justificar propinas e superfaturamento de obras. Reduz-se assim (ou mesmo elimina-se) a fila dos réus e viabiliza-se a liberação dos já encarcerados, a começar por Lula.
Achou ruim? Cuidado: o presidente do STF, Dias Toffolli, anunciou que irá punir os que, inconformados, protestem contra esses atos. Em gesto inédito (quase tudo neste momento é inédito), o STF julgará em causa própria os que achar que o ofenderam.
Eis que o autointitulado Poder Moderador da República perdeu de vez a moderação.
Revista Veja