Igor Mello e Juliana Castro
O Globo
Envolvido numa polêmica sobre possíveis candidaturas laranjas, o PSL teve duas candidatas que adquiriram, a menos de 48 horas da eleição, mais de 10 milhões de santinhos, folders e praguinhas. O partido destinou a poucos dias do primeiro turno R$ 268 mil para duas candidatas a deputada estadual no Ceará e em Pernambuco. O montante mal parou nas contas de campanha de Gislani Maia e Mariana Nunes, que gastaram praticamente todo o valor em gráficas entre os dias 5 e 6 de outubro.
Candidata no Ceará, Gislani teve receita de quase R$ 151 mil, dos quais R$ 150 mil vieram da direção nacional do PSL no dia 5 de outubro. Até então, ela não tinha obtido doação alguma. No próprio dia 5, a candidata repassou quase R$ 143 mil para três gráficas. A campanha de Gislani custou o triplo da de Hélio Góes, candidato do PSL ao governo do Ceará, e quase 18 vezes mais que o postulante do partido ao Senado, Márcio Pinheiro, que teve despesa de R$ 8,5 mil — e não recebeu nenhum centavo do PSL.
ÚNICA A RECEBER – Gislani foi a única mulher a receber dinheiro do PSL no Ceará, embora o partido tenha tido outras 18 candidaturas femininas no estado. Além dela, apenas Heitor Freire, presidente da sigla no estado, foi beneficiado com recursos partidários. Freire foi eleito deputado federal e apresentou gastos de campanha de R$ 64,2 mil, menos da metade de Gislani.
As notas fiscais do dia 5 de outubro apresentadas pela candidata à Justiça Eleitoral são pelo fornecimento de 4,8 milhões de santinhos, panfletos e botons, além de 20 mil adesivos para carros. O número de eleitores em Fortaleza não chega a 1,8 milhão e, no Ceará, é de 6,3 milhões. Gislani obteve 3.501 votos.
A maior parte da despesa da candidata — R$ 103,2 mil — foi concentrada em uma única gráfica, a M C de Holanda Carvalho, cujo nome fantasia é EH 8 Comunicação Visual. A gráfica também imprimiu material para Heitor Freire.
MINIGRÁFICA – Uma máquina de impressão e uma de plotagem são operadas no local e apenas dois funcionários estavam presentes anteontem à tarde. Eles confirmaram que a gráfica foi responsável pela impressão de materiais do PSL.
— Praticamente tudo relacionado à campanha do presidente Bolsonaro no Ceará foi produzido aqui — afirmou o técnico de impressão, embora o presidente tenha declarado apenas R$ 55 mil em gastos no local, usados para a confecção de adesivos.
O Globo orçou com a EH8 a impressão de 10 mil adesivos para carro a serem entregues em três dias, metade da quantidade paga por Gislani. Os funcionários, no entanto, recusaram a encomenda, alegando que só conseguiriam produzir 500 unidades no prazo estabelecido.
SEM DOCUMENTO – Gislani afirmou ao Globo que em setembro recebeu de Heitor Freire a garantia de que receberia recursos e, então, fez o pedido às gráficas. Questionada se havia algum documento que demonstrasse a solicitação do material feito mesmo sem garantia do pagamento, informou que foi feito um “contrato de confiança”, mas que não tinha uma cópia do documento. Afirmou ainda que, na sua encomenda, havia material para outros candidatos, mas que, em todos, também aparecia seu rosto.
Procurado, Freire negou que tenha recomendado repasses à candidatura de Gislani: “O dinheiro vem direto da nacional para a conta do candidato, sem ingerência da estadual”.
Freire disse ainda que Gislani foi a única candidata a receber recursos no estado porque tinha “potencial”. Ele pediu que a reportagem enviasse as perguntas por escrito, mas não não respondeu até o fechamento desta edição.
OUTRO EXEMPLO – Mariana Nunes é outra candidata a movimentar grandes montantes de recursos às vésperas do primeiro turno. Apesar de ter obtido apenas 1.741 votos — ficando no 189º lugar na disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco — ela teve recursos dignos de uma campeã de votos. Sua campanha custou R$ 127.860, segundo a prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral — mais do que líderes de votos do partido, como Janaína Paschoal (PSL-SP), deputada estadual mais votada da história do Brasil, que gastou R$ 58,4 mil.
A candidata recebeu R$ 128 mil da direção estadual do PSL, dos quais R$ 118 mil entre os dias 2 e 5 de outubro. Quase todo esse montante — R$ 113,9 mil — foi gasto na impressão de cinco milhões de santinhos e um milhão de praguinhas (adesivos) na gráfica de Juliane Mirella de Carvalho Gonçalves.
A empresa também foi contratada por Lourdes Paixão e Érika Siqueira, candidatas que também receberam grandes quantias do partido dias antes da eleição e obtiveram, respectivamente, 274 e 1.315 votos.
PRÁTICA COMUM – Para a procuradora regional Silvana Batini, que já atuou como procuradora regional eleitoral no Rio, a prática de desviar recursos de candidaturas femininas é comum:
— Não estou falando sobre esse caso específico, mas uma das formas de burlar a lei é justamente colocar a candidata feminina diluída em outras candidaturas. Então, no final das contas, o dinheiro não está sendo usado para promover as candidaturas femininas.
Mariana não foi localizada pelo GLOBO. Presidente do PSL, Luciano Bivar, cuja base eleitoral é em Pernambuco, afirmou por meio de nota que a verba do fundo partidário é repassada do diretório nacional diretamente para os candidatos. “A forma de utilização é decisão exclusiva do (a) candidato (a). Já a escolha da chapa é responsabilidade do diretório estadual, do qual Bivar não fez parte”.