Elizabeth Lopes, Mateus Fagundes
e Renata Batista
Estadão
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) reiterou na manhã desta quinta-feira, dia 8, em sua conta pessoal na rede de microblog Twitter, que está determinado a abrir a “caixa preta” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em sua gestão. “Firmo o compromisso de iniciar o meu mandato determinado a abrir a caixa preta do BNDES e revelar ao povo brasileiro o que é feito com o seu dinheiro nos últimos anos. Acredito que este é um anseio de todos. Um forte abraço!”, afirmou.
Nesta quarta-feira, dia 7, em Brasília, onde deu o início oficial dos trabalhos do grupo de transição do governo, o capitão da reserva já havia afirmado que pretendia abrir os arquivos dos contratos do BNDES já na primeira semana de sua administração, em janeiro. “Da minha parte, vamos abrir todos os sigilos do BNDES, sem exceção. É o dinheiro do povo e nós temos que saber onde está sendo usado”, disse. “Na primeira semana já é possível, até para dar matéria para vocês se preocuparem com outra coisa a não com o presidente”, brincou.
ALVO DA PF – O BNDES, ao lado da Petrobras, já esteve no alvo de investigações da Polícia Federal. Nas gestões do PT, por exemplo, a instituição financiou empresas de Eike Batista e dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além das obras do Porto de Mariel, em Cuba.
Em agosto deste ano, a PF indiciou os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci, o empresário Joesley Batista, da JBS, e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho por supostas operações ilícitas na instituição financeira. Este inquérito apontou que houve o oferecimento de propinas para viabilizar a compra de ações e a liberação de financiamentos às empresas da J&F, holding da JBS.
Para ter acesso aos dados desses financiamentos, contudo, o presidente eleito terá de quebrar o sigilo que recai sobre boa parte dos contratos. Tal sigilo foi imposto pela ex-presidente Dilma Rousseff, sob alegação de “preservação da privacidade dos atos referentes à gestão bancária”.
EFEITO POLÍTICO – Na avaliação do advogado Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do Nelson Wilians e Advogados Associados e especialista em Direito Administrativo, a decisão do presidente eleito pode gerar apenas um fato político. Isso porque, na avaliação de Pessanha, o que pode vir a público são operações relacionadas à perspectiva de gestão de investimentos nos últimos anos, que pode ter aspectos ideológicos ou estratégicos da gestão petista. “É provável que os desdobramentos venham a ser mais políticos e ideológicos que técnico-jurídicos”, disse.
Na avaliação de Pessanha, o BNDES já tem um programa de compliance “sólido” e que, por isso, pode ser que não haja “grandes feitos, grandes achados” do que já se conhece. “O BNDES já tem uma política de compliance que, pelo que acompanho, é bem estruturada e feita de maneira correta. Vamos agora ver se ela é realmente efetiva, se operações foram feitas obedecendo a legislação”, afirmou.
“TRANSPARÊNCIA” – Para Pessanha, sobretudo, a medida de Bolsonaro tem o efeito de deixar a gestão de recursos mais transparente. “Certamente qualquer medida que privilegie a transparência é boa para o Estado Democrático de direito”, opinou.
Já na avaliação do economista do Insper Sergio Lazzarini, que há mais de dez anos analisa as atividades do BNDES, a ameaça do presidente eleito Jair Bolsonaro de abrir todos os “sigilos” do banco de fomento pode não ter nenhum efeito prático se ele não especificar o que pretende “escancarar”.
Segundo ele, o BNDES ampliou significativamente a transparência de suas operações nos últimos quatro anos. O desafio que persiste, diz, é mapear o processo decisório, que envolve órgãos como a Câmara de Comércio Exterior (Camex), que poderá ser impactada pela proposta de fusão dos ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
CORRELAÇÕES – “A detecção de irregularidade não acontece quando se acessa os dados, mas quando se faz as correlações corretas. Muito antes de o banco abrir as informações, eu já tinha estudos que mostravam a correlação entre financiamento eleitoral e empréstimos”, afirma Lazzarini, frisando que hoje é possível identificar, por CPF, todos os tomadores de recursos do banco, o valor das operações, taxas, prazos e vários outros dados agregados.
No caso das do financiamento à exportação do banco realizadas entre 2008 e 2016, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) indica que 98% das operações aprovadas estão contempladas pelo Fundo Garantidor de Exportações (FGE). No documento, o órgão de controle sinaliza a importância da governança das instâncias responsáveis pela aprovação dessas garantias, formada pela Camex e por Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores (ABGF) e Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig).
Os três órgãos têm estrutura colegiada, com representantes de vários ministérios e bancos públicos, como Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, BNDES e Banco do Brasil. Pela proposta de Bolsonaro, ficarão todos debaixo do guarda-chuva do superministério da Economia.
SEM IRREGULARIDADES – Para o presidente da Associação dos Funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (AFBNDES), Thiago Mitidieri, além do aumento da transparência dos dados, o banco tem sido submetido a um escrutínio. “Foram duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), operação Lava-Jato, sindicância interna, auditoria externa e vários relatórios do TCU e, até agora, não há nenhuma evidência de que qualquer empregado do BNDES tenha se envolvido em irregularidades”, afirma.