L I T E R A T U R A – O Século – Poeta Castro Alves  

Resultado de imagem para O Século    Poeta Castro Alves   Poeta Castro Alves

O Século

  Poeta Castro Alves

Soldados, do, alto daquelas pirâmides 

  quarenta séculos vos contemplam! 

           Napoleão

  o século é grande e forte. 
           V. Hugo 
  
Da mortalha de seus bravos 
Fez bandeira a tirania 
Oh! armas talvez o povo 
Deseus ossos faça um dia             

J. Bonifácio

O séc’lo é grande… No espaço 
Há um drama de treva e luz. 
Como o Cristo — a liberdade 
Sangra no poste da Cruz. 
Um corvo escuro, anegrado, 
Obumbra o manto azulado, 
Das asas d’águia dos céus… 
Arquejam peitos e frontes… 
Nos lábios dos horizontes 
Há um riso de luz… É Deus.

Às vezes quebra o silêncio 
Ronco estrídulo, feroz. 
Será o rugir das matas, 
Ou da plebe a imensa voz?… 
Treme a terra hirta e sombria. . . 
São as vascas da agonia 
Da liberdade no chão?… 
Ou do povo o braço ousado 
Que, sob montes calcado, 
Abala-os como um Titão?!…

Ante esse escuro problema 
Há muito irônico rir. 
Pra nós o vento da esp’rança 
Traz o pólen do porvir. 
E enquanto o cepticismo 
Mergulha os olhos no abismo, 
Que a seus pés raivando tem,

Rasga o moço os nevoeiros, 
Pra dos morros altaneiros 
Ver o sol que irrompe além. 
Toda noite — tem auroras, 
Raios — toda a escuridão. 
Moços, creiamos, não tarda 
A aurora da redenção. 
Gemer — é esperar um canto… 
Chorar – aguardar que o pranto 
Faça-se estrela nos céus. 
O mundo é o nauta nas vagas… 
Terá do oceano as plagas 
Se existem justiça e Deus.

No entanto inda há muita noite 
No mapa da criação. 
Sangra o abutre — tirano 
Muito cadáver — nação. 
Desce a Polônia esvaída, 
Cataléptica, adormida, 
À tumba do Sobieski; 
Inda em sonhos busca a espada … 
Os reis passam sem ver nada … 
E o Czar olha e sorri…

Roma inda tem sobre o peito 
O pesadelo dos reis! 
A Grécia espera chorando 
Canaris… Byron talvez! 
Napoleão amordaça 
A boca da populaça 
E olha Jersey com terror; 
Como o filho de Sorrento, 
Treme ao fitar um momento 
O Vesúvio aterrador.

A Hungria é como um cadáver 
Ao relento exposto nu; 
Nem sequer a abriga a sombra 
Do foragido Kossuth. 
Aqui — o México ardente, 
— Vasto filho independente 
Da liberdade e do sol — 
Jaz por terra… e lá soluça 
Juarez, que se debruça 
E diz-lhe: “Espera o arrebol!” 
  
O quadro é negro.  Que os fracos 
Recuem cheios de horror. 
A nós, herdeiros dos Gracos, 
Traz a desgraça — valor! 
Lutai… Há uma lei sublime 
Que diz: “À sombra docrime 
Há de a vingança marchar.” 
Não ouvis do Norte um grito, 
Que bate aos pés do infinito, 
Que vai Franklin despertar?

É o grito dos Cruzados 
Que brada aos moços — “De pé”! 
É o sol das liberdades 
Que espera por Josué!… 
São bocas de mil escravos 
Que transformaram-se em bravos 
Ao cinzel da abolição. 
E — à voz dos libertadores — 
Reptis saltam condores, 
A topetar n’amplidão!…

E vós, arcas do futuro, 
Crisálidas do porvir, 
Quando vosso braço ousado 
Legislações construir, 
Levantai um templo novo, 
Porém não que esmague o povo, 
Mas lhe seja o pedestal. 
Que ao menino dê-se a escola, 
Ao veterano — uma esmola… 
A todos — luz e fanal!

Luz!…  sim; que a criança é uma ave, 
Cujo porvir tendes vós; 
No sol — é uma águia arrojada, 
Na sombra — um mocho feroz. 
Libertai tribunas, prelos … 
São fracos, mesquinhos elos… 
Não calqueis o povo-rei! 
Que este mar d’almas e peitos, 
Com as vagas de seus direitos, 
Virá partir-vos a lei.

Quebre-se o cetro do Papa, 
Faça-se dele — uma cruz! 
A púrpura sirva ao povo 
Pra cobrir os ombros nus, 
Que aos gritos do Niagara 
— Sem escravos, — Guanabara 
Se eleve ao fulgor dos sóis! 
Banhem-se em luz os prostíbulos, 
E das lascas dos patíbulos 
Erga-se a estátua aos heróis!

Basta!… Eu sei que a mocidade 
É o Moisés no Sinai; 
Das mãos do Eterno recebe 
As tábuas da lei! — Marchai! 
Quem cai na luta com glória, 
Tomba nos braços da História, 
No coração do Brasil! 
Moços, do topo dos Andes, 
Pirâmides vastas, grandes, 
Vos contemplam séc’los mil!

  Castro Alves

Do livro: “Poetas Românticos Brasileiros”- Vol. I, Editora Lumen, SP, s/ data

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *